Após 27 anos, policiais serão julgados por operação que matou 13 no Rio – Mais Brasília
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Após 27 anos, policiais serão julgados por operação que matou 13 no Rio

Na manhã de 18 de outubro de 1994, um grupo de 40 a 80 policiais civis e militares matou 13 pessoas

policiais serão julgados por operação que matou 13 no Rio
Foto: Alexandre Campbell/Folhapress

Mac Laine estava deitada assistindo TV quando se deparou com uma reportagem sobre uma operação policial na favela Nova Brasília, perto de onde morava. Na tela, a adolescente de 16 anos viu imagens de corpos estirados e teve “uma sensação muito ruim”. Logo depois, ela saberia que seu irmão, Macmiller Faria Neves, de 17 anos, havia sido assassinado.

Na manhã de 18 de outubro de 1994, um grupo de 40 a 80 policiais civis e militares matou 13 pessoas em uma operação na comunidade, sendo quatro adolescentes. Nova Brasília é uma das 15 favelas que integram o Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro.

Segundo noticiado à época, os policiais invadiram pelo menos cinco casas, dispararam contra quem estava lá, e levaram os corpos à praça principal da comunidade.

Três agentes também torturaram e estupraram três mulheres, entre elas duas adolescentes, segundo depoimento das vítimas. Uma delas, de 15 anos, relatou que o policial militar Plínio Alberto Oliveira a levou ao banheiro, a ameaçou de morte e a forçou a fazer sexo anal.

Mac Laine Faria conta à reportagem que seu irmão foi assassinado na mesma casa onde estavam as jovens. A autópsia indicou que o adolescente morreu com quatro tiros: um na parte de trás da cabeça, um na região temporal esquerda, um no rosto e outro no ombro esquerdo.

“Uma pessoa abaixada, que leva um tiro na nuca, não é risco para policial nenhum. Ele poderia ter sido algemado e preso, teria cumprido, saído, e de repente teria sido alguém na vida […] A lei tem que ser cumprida, a gente não tem pena de morte”, diz ela.

Mais de 25 anos após a incursão, vão a júri nesta segunda-feira (16) cinco policiais réus por homicídio qualificado em ação penal no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Para cada uma das 13 mortes, a pena vai de 12 a 30 anos de prisão.

Os acusados são Rubens de Souza Bretas, José Luiz Silva dos Santos, Carlos Coelho de Macedo, Paulo Roberto Wilson da Silva e Ricardo Gonçalves Martins.

Em nota, a defesa de Macedo afirmou que “se baseia na realidade dos fatos, aguardando tranquilamente a declaração de insubsistência da imputação que lhe foi dirigida, com a consequente absolvição”. A reportagem não conseguiu contato com os advogados dos demais réus.

Ainda que 28 policiais tenham sido identificados na operação, o Ministério Público do Rio de Janeiro só conseguiu juntar indícios suficientes para acusar seis. Um deles foi Plínio Oliveira, citado nos relatos de estupro, que morreu em 2018.

Hoje com 42 anos, Mac Laine afirma que o tempo passou, mas a dor é a mesma. Quase três décadas após a morte do irmão, ela chegou a desacreditar que fosse haver uma punição. Diz, também, que a responsabilização dos envolvidos é mais importante do que qualquer indenização financeira.

“Espero que os policiais paguem dentro da lei. O que eles fizeram com os familiares, com o meu irmão… Não desejo que sintam a mesma dor. Mas desejo que paguem pelo crime que cometeram. É só o que eu quero: justiça.”

O episódio de Nova Brasília é um dos exemplos mais simbólicos da inércia da Polícia Civil, do Ministério Público e da Justiça para investigar e, eventualmente, acusar e punir policiais envolvidos em operações com mortes.

Em maio de 1995, pouco mais de seis meses após a primeira incursão, policiais entraram novamente na comunidade e mataram mais 13 pessoas, entre elas dois adolescentes.

As investigações das duas operações ficaram paradas por anos e foram arquivadas pelo Ministério Público em 2009, sob a alegação de prescrição.

Só após uma notificação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 2013, o órgão solicitou o desarquivamento do inquérito e apresentou denúncia contra os suspeitos. A investigação da operação de 1995, no entanto, não resultou em ação penal.

Em 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu uma sentença contra o Estado brasileiro pela violação das garantias de independência, imparcialidade e diligência das investigações.

Procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro à época da primeira operação, Antônio Carlos Biscaia deixou o cargo em fevereiro de 1995. Ele diz que pouco tempo após a incursão de 1994 já existiam elementos suficientes para dar início à ação penal.

“A denúncia poderia ter sido oferecida, não digo de imediato, mas em 1995 com certeza. Por que não foi, eu não sei”, afirma.

Reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostrou que, entre 2015 e 2019, apenas 2,5% das investigações que tramitaram no grupo a respeito de mortes por intervenção policial resultaram em denúncia pelo crime de homicídio.

Além de retratar a impunidade policial, o caso de Nova Brasília guarda semelhanças de procedimento com operações realizadas nas décadas posteriores –seja no complexo da Maré, no Jacarezinho ou no Fallet, entre tantas outras que resultaram em um elevado número de mortes.

Uma delas é a remoção dos corpos de pessoas mortas, prática que contraria determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) que busca preservar os vestígios das ocorrências nas operações.

Outra similaridade entre a operação de 1994 e as que vieram depois é a narrativa normalmente apresentada pela polícia de que as mortes ocorreram em confronto, quando testemunhas alegam que as vítimas já estavam rendidas.

Mais uma semelhança é a realização de operações violentas como represália a algum ataque do tráfico, como a morte de um policial. A incursão de 1994, por exemplo, ocorreu dois dias após a delegacia de Bonsucesso, bairro onde fica a favela, ter sido metralhada por traficantes, em um ato que deixou três policiais feridos.

À época, o delegado Maurílio Moreira, que comandou a invasão a Nova Brasília, admitiu que a operação teve caráter de represália. “Se nos derem flores, devolveremos flores. Se nos derem balas, devolveremos balas. É para que eles saibam que a instituição policial tem que ser respeitada”, disse à imprensa.

“A chacina policial, o arquivamento pelo Ministério Público e a aceitação do Judiciário viraram um padrão que a gente conhece dos anos 1990 e 2000”, afirma Pedro Strozenberg, ex-ouvidor da Defensoria Pública do Rio e membro do conselho deliberativo do Iser (Instituto de Estudos da Religião), organização que atuou no caso junto à Corte Interamericana.

Seguindo esse padrão, as mortes por intervenção policial no Rio de Janeiro mais do que triplicaram entre 1998, primeiro ano em que o índice passou a ser registrado, e 2020, subindo de 355 para 1.245.

A letalidade policial continuou a crescer mesmo após a sentença da Corte Interamericana de 2017, que determinou, entre outros pontos não cumpridos pelo Estado brasileiro, a elaboração de metas e políticas de redução da violência policial.

Diante do não seguimento da resolução, a Corte marcou para sexta-feira (20) uma audiência pública de supervisão de cumprimento da sentença para tratar das garantias de não repetição.

Entre elas, estão a publicação anual de um relatório oficial com dados sobre mortes ocasionadas durante operações policiais em todo o país e a implementação de um programa obrigatório sobre atendimento a mulheres vítimas de estupro, destinado a todos os policiais militares e civis no Rio.

O não cumprimento da sentença não gera uma punição imediata para o país, segundo a advogada Helena Rocha, que atuou como consultora do Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional) na tramitação do caso de Nova Brasília na Corte. Ela afirma, no entanto, que a sentença funciona como um instrumento para pressionar por mudanças estruturais.

Por Ana Luiza Albuquerque