Brasil perde apoio do Banco Mundial para implementar mercado de carbono – Mais Brasília
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Brasil perde apoio do Banco Mundial para implementar mercado de carbono

Outros 15 países pleiteavam uma vaga

Amazônia
Foto: Repórter Brasil

O governo federal tem em mãos, desde o final de 2020, um estudo detalhando por que é desejável para o Brasil criar um mercado de carbono. No entanto, o projeto não avançou, e agora o país vai ficar sem apoio estratégico na fase de implementação.

Segundo dados obtidos pela Folha de S.Paulo via LAI (Lei de Acesso à Informação), o Brasil não foi selecionado para o PMI, programa do Banco Mundial que ajuda países a implementarem sistemas de precificação de carbono.

O motivo, conforme apontado pelo próprio Ministério da Economia, foi o atraso do país em relação ao tema.
“Em virtude de restrição orçamentária [do Banco Mundial], foram selecionados apenas países que estavam mais adiantados na implementação de um mercado de carbono”, respondeu a pasta ao pedido feito pela reportagem.

Além do Brasil, outros 15 países pleiteavam uma vaga na etapa de implementação. Oito foram selecionados, dentre eles Chile, Colômbia e México. O Banco Mundial ainda não divulgou a lista completa.

“Infelizmente, o Brasil não ficou nessa primeira lista. Todos os países que entraram têm um marco regulatório e legal já estruturado, o que não é o caso do Brasil”, afirma Alexandre Kossoy, especialista financeiro do Banco Mundial.

O PMI (parceria para implementação de mercado, na sigla em inglês) é a etapa posterior de outro programa realizado pelo Banco Mundial, o PMR (parceria para preparação de mercado), cujo objetivo é ajudar países a adotarem iniciativas para mitigar a crise do clima.
Assim como o Brasil, outros 23 países receberam o apoio, como África do Sul, Argentina, Chile, China, Colômbia, Índia e México.

No caso brasileiro, o PMR avaliou a viabilidade de um instrumento de precificação de carbono, como um mercado regulado ou um imposto sobre emissões.

Após cinco anos de estudos sobre impactos econômicos, sociais e regulatórios, que contaram com a participação de representantes da indústria, do agronegócio e do setor de energia, o PMR concluiu em 2020 que seria desejável para o Brasil adotar um modelo de precificação como parte de sua política ambiental, em especial um mercado de carbono.

“Acredita-se que um instrumento de precificação de carbono pode ajudar o país não apenas a cumprir com seus objetivos climáticos, mas também a se posicionar estrategicamente para melhor aproveitar as oportunidades econômicas que serão criadas”, diz o relatório disponível no site do Ministério da Economia.

No entanto, o governo federal não avançou em relação às recomendações do programa e, por isso, o país ficou de fora da fase de implementação.

Procurados, o Ministério da Economia e a Sepec (Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade), órgão que ficou responsável pelo PMR no governo, não comentaram a decisão do Banco Mundial até a publicação desta reportagem.

Segundo Alexandre Kossoy, que está à frente do PMI e do PMR, os recursos captados neste primeiro momento não permitiram selecionar todos que se inscreveram para o programa.

Kossoy mencionou os exemplos de Chile, México e Colômbia, que participaram do PMR e foram escolhidos para a próxima fase por terem leis sobre mercado de carbono já aprovadas. “Eles estão um passo um pouco à frente do Brasil. Não seria justo não colocar esses países nessa primeira rodada.”

No entanto, para o especialista do Banco Mundial, a decisão não significa que o país está atrasado na implementação de um mercado de carbono.
“É uma questão de quais países têm esse marco regulatório já estabelecido. Não é que o Brasil esteja atrasado, ele não está no mesmo nível desses outros.”

Segundo ele, é possível que o país venha a ser selecionado numa segunda rodada, que pode acontecer daqui um ano.
Para Ronaldo Seroa da Motta, professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) que atuou como consultor do PMR, a decisão do Banco Mundial considera os países mais comprometidos politicamente com a implementação de um mercado de carbono.

“Acho que nenhum PMR no mundo foi tão detalhado igual ao do Brasil. E mais, nenhum mercado de carbono teve tanto apoio da sociedade civil e de segmentos do setor empresarial como no Brasil. O que talvez não tenha havido foi vontade política de realizar neste momento”, afirma.

Segundo ele, a falta de empenho pode estar relacionada a uma questão de prioridade na agenda de governo.
“Esse assunto de mudança do clima tem muitos pontos e contrapontos no governo. De um lado, temos o Banco Central sendo um dos pioneiros nos testes de risco climáticos nas instituições financeiras. Do outro, você vê discurso do Brasil no Acordo de Paris tendo uma visão menos audaciosa. Fora que sempre houve uma manifestação que o pessoal chama de negacionista da mudança do clima”, diz.

No entanto, Motta acredita que a decisão do Banco Mundial não tenha sido motivada por uma postura negacionista, e sim pela falta de sinalizações de que o tema era uma prioridade na agenda política.

“Alguns terminaram o PMR, como México, China e outros países, e já começaram a se mexer para implementar no [âmbito do poder] executivo, porque esse é um pedido que vem do executivo”, afirma.
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MERCADO DE CARBONO

O que é?
O mercado de carbono é um dos instrumentos que os governos têm para promover a redução das emissões de gases de efeito estufa em setores econômicos.

Quem tem?
O modelo já existe na Europa há mais de 15 anos, assim como na Nova Zelândia, Cazaquistão e em alguns estados norte-americanos. Desde julho deste ano, a China também conta com um mercado de carbono nacional. Segundo o Banco Mundial, existem hoje 64 iniciativas de precificação de carbono em vigor no mundo.

Como funciona para o governo?
O governo limita a quantidade de gases de efeito estufa que determinados setores econômicos podem emitir e concede permissões de poluição para as empresas.

E para as empresas?
As companhias recebem então um “orçamento” com a quantidade de carbono que podem liberar. Para poluir acima da cota, é preciso comprar mais licenças, que são vendidas pelas organizações que conseguiram cortar suas emissões.

Texto: Thiago Bethônio