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Com Borba Gato, prefeitura de SP cria lista com 41 monumentos polêmicos

Dentre as esculturas destacadas estão a estátua do bandeirante Borba Gato e o Monumento às Bandeiras, alvos frequentes de protestos

Foto: Twitter/Reprodução

A Prefeitura de São Paulo elaborou uma lista com 41 monumentos da cidade considerados controversos por homenagearem pessoas ligadas a momentos sensíveis do passado brasileiro -como a escravidão, o massacre indígena, o período colonial e a ditadura militar.

Dentre as esculturas destacadas estão a estátua do bandeirante Borba Gato e o Monumento às Bandeiras, alvos frequentes de protestos. O levantamento foi feito pelo DPH (Departamento de Patrimônio Histórico), da Secretaria Municipal da Cultura, e trata-se de uma lista inicial, que visa estimular o debate sobre as obras com a sociedade civil.
De acordo com a administração municipal, a presença dos monumentos na lista não indica que a prefeitura pretenda “removê-los, condená-los ou mesmo alterá-los”.

“O objetivo é contribuir com ampla discussão da sociedade, incluindo movimentos sociais que defendam a rediscussão e outros Poderes, como o próprio Legislativo Municipal. O DPH está envolvido na discussão e ainda não possui elementos consolidados sobre todos os monumentos em questão”, informa.

A divulgação da lista vem após o anúncio de que a prefeitura pretende instalar estátuas de cinco personalidades negras na cidade. Serão elas a escritora Carolina Maria de Jesus, o cantor Itamar Assumpção, o músico Geraldo Filme, a sambista Madrinha Eunice e o atleta olímpico Adhemar Ferreira da Silva.

As esculturas começarão a ser instaladas em setembro e a previsão é que fiquem prontas em até seis meses. A Secretaria de Cultura da cidade não informou quem serão os artistas responsáveis pelas obras nem como serão escolhidos.

A discussão em torno dos monumentos e símbolos que ocupam os espaços públicos se intensificou após o incêndio na estátua do bandeirante Manuel de Borba Gato, em meados de julho.

Um grupo chamado Revolução Periférica assumiu a autoria do ataque. Os membros subiram no monumento e utilizaram pneus para atear fogo na estátua. Na prisão de um dos responsáveis pelo incêndio, o entregador de aplicativos e ativista conhecido como Galo, Paulo Roberto da Silva Lima, ele disse que o objetivo era debater a presença do bandeirante no local.

“O ato foi para abrir um debate. Em nenhum momento foi feito para machucar alguém ou querer causar pânico. Que as pessoas agora decidam se querem ter uma estátua de 13 metros de altura [com o pedestal] que homenageia um genocida e um abusador de mulheres”, disse.

Projetos de lei em escala municipal, estadual e federal também buscam diminuir a presença desses símbolos no espaço público, ao substituí-los, retirá-los ou contextualizá-los, neste caso explicando quem são e o que fizeram as figuras homenageadas.

Há proposições que remetem ao ano de 2001, como a do então vereador paulistano Nabil Bonduki, que buscava retirar referências aos bandeirantes esculpidas na Câmara Municipal. Ele argumentou à época que a obra era ultrajante aos povos indígenas, mas a sugestão terminou arquivada.

Neste ano, a vereadora Luana Alves (PSOL) apresentou um projeto de lei que busca a retirada, substituição ou a implementação de uma sinalização em símbolos que façam homenagens a escravocratas, nazistas ou eugenistas. A proposta apresenta medidas já exploradas em outros países, como os Estados Unidos, o Reino Unido e a Alemanha.

Há também um projeto de lei da deputada estadual Erica Malunguinho, proposto na esteira dos protestos contra o racismo que ocorreram em junho e julho do ano passado com início nos EUA, após a morte do americano George Floyd.

Malunguinho propõe que monumentos sejam retirados dos espaços públicos do estado e postos em museus. Sugere também que prédios, rodovias, ruas, estradas e todos os símbolos que façam referência a escravocratas sejam renomeados a partir de uma comissão permanente.

A retirada ou substituição dos monumentos enfrenta resistência de setores da sociedade que acreditam que tais modificações no espaço público podem gerar um apagão histórico ou buscam modificar a história.

Em reportagem da Folha, a historiadora Ana Lúcia Araújo, professora do Departamento de História da Universidade Howard (nos EUA), disse que a permanência desses símbolos não se relaciona com a preservação da história, mas com a conservação de uma memória pública que foi utilizada por grupos para impor agendas políticas e a sua própria visão do espaço público no passado.

“Esses monumentos foram erguidos para prestar homenagem a pessoas que eram algozes. Então, nesse sentido, cabe a retirada desses monumentos. Essa história não está apagada, ela está no arquivo. Existem historiadores escrevendo sobre isso, jornalistas que escrevem sobre isso”, disse.

Cidades pelos EUA e pelo Reino Unido, por exemplo, retiraram estátuas que faziam homenagens a pessoas ligadas à escravidão e outros temas sensíveis para os países.

Em 2020, 169 símbolos que exaltavam os confederados foram retirados das cidades americanas, de acordo com um levantamento feito pelo Southern Poverty Law Center.

Aproximadamente 100 deles eram estátuas. Por outro lado, ainda restam pelo menos 2.100 símbolos pelo país, sendo cerca de 700 deles monumentos.

Já no Reino Unido, até o início deste ano, cerca de 70 homenagens a vendedores de escravos e pessoas ligadas à colonização foram retiradas de diversas cidades, segundo levantamento do jornal britânico The Guardian. Outras centenas de mudanças estavam em revisão pelas autoridades locais.

As homenagens se dividiam entre nomes de escolas, prédios e ruas, além de estátuas, placas e outros tipos de memoriais. As iniciativas partiram de diversos setores da sociedade, desde instituições educacionais como escolas e universidades, passando por igrejas e até bares.

Após uma pequena onda de retirada e revisão destes símbolos, porém, as homenagens às figuras controversas passaram a resistir. Em janeiro, a gestão do primeiro-ministro Boris Johnson anunciou medidas legais para aumentar a proteção aos monumentos.

Na cidade de São Paulo, são cerca de 367 estátuas, das quais cerca de 200 representavam pessoas, segundo levantamento do Instituto Pólis feito em 2020. Destas 137 são homens brancos e 18 são mulheres brancas -só há 5 estátuas de pessoas negras, sendo 4 de homens e 1, de mulheres.

Na lista da Prefeitura de São Paulo prevalecem monumentos de homens brancos em poses heroicas e respeitosas, enquanto as populações negra e indígena raramente são representadas e, quando aparecem, estão em quase todos os casos em posições subalternas.

Por Victoria Damasceno