Copa América no Brasil repercute entre políticos e especialistas

Brasil aceitou receber o torneio, mesmo contabilizando mais de 462 mil mortos por Covid. Torneio está marcado para o período entre 13 de junho e 10 de julho

A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) anunciou o Brasil como nova sede da Copa América na manhã desta segunda- feira (31/5). Após a divulgação, políticos e especialistas estão se pronunciando sobre o assunto.

O Brasil aceitou receber o torneio, mesmo diante dos alertas de uma terceira onda de Covid-19 e já contabilizando mais de 462 mil mortos por Covid. O torneio está marcado para o período entre 13 de junho a 10 de julho. As cidades-sede ainda não foram anunciadas oficialmente.

O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou, sem apresentar dados com estimativas de impacto do evento, que a realização da Copa América no Brasil representa “menos risco” que na Argentina, onde seria a sede do torneio.

“Vamos dizer o seguinte, que é menos… Não é que seja mais seguro, é menos risco. Não é mais. É menos. O risco continua”, disse Mourão a jornalistas na saída do Palácio do Planalto.

Mourão não vê problema se as partidas ocorrerem sem torcida. Nas competições de clubes no Brasil, os jogos são de portões fechados. “Não tendo público, não é problema. É só dividir bem essas sedes e acabou”, declarou. Para Mourão, a situação é “difícil para todo mundo”, mas o Brasil tem como “vantagem” ser um país de dimensões continentais e com bons estádios disponíveis, o que permite “dispersar esse povo todo”.

 Agradecimento a Bolsonaro

Em sua conta em português no Twitter, a Conmebol agradeceu ao presidente Jair Bolsonaro e à CBF por “abrir as portas desse país” para o “evento esportivo mais seguro do mundo”.

“O Brasil receberá a CONMEBOL @CopaAmerica 2021! O melhor futebol do mundo levará alegria e paixão a milhões de sul-americanos. A CONMEBOL agradece ao presidente @jairbolsonaro e sua equipe, assim como à Confederação Brasileira de Futebol @CBF_Futebol”, escreveu a Conmebol.

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 Críticas

Senadores da CPI da Covid criticaram a realização do evento no Brasil. O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), classificou a decisão de “escárnio” e chamou o torneio de “campeonato da morte”.

“Com mais de 462 mil mortes sediar a Copa América é um campeonato da morte. Sindicato de negacionistas: governo, Conmebol e CBF. As ofertas de vacinas mofaram em gavetas mas o ok para o torneio foi ágil. Escárnio”, escreveu Renan nas redes sociais.

O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que vai protocolar um requerimento de convocação do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, para prestar depoimento à comissão. “Se realizado, o evento será uma afronta às mais de 450 mil vidas que perdemos para a Covid-19 no Brasil”, afirmou.

Humberto Costa (PT-PE) afirmou que a realização do torneio no Brasil é uma “insanidade” do presidente Jair Bolsonaro.

“Enquanto o povo cobra movimentos do governo no caminho da vacinação, Bolsonaro dá mais uma demonstração de descaso e insanidade confirmando a Copa América no Brasil. Os governadores devem se posicionar no sentido contrário. É mais um grande absurdo desse governo”, disse Costa.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE), suplente na CPI, ironizou dizendo que o governo brasileiro demorou muito mais para responder o e-mail da Pfizer, com oferta de vacinas, do que o da Conmebol. “Quase 1 ano para responder a oferta de vacinas da Pfizer e menos de 24 horas para responder a oferta da Conmebol para realizar a Copa América no Brasil. Qual a prioridade deste governo?”, questionou o senador.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) classificou a decisão de realizar a Copa América no Brasil de “deboche” e “surreal”.

“Surreal que um governo que ignore compra de vacinas numa pandemia mundial responda tão rapidamente um pedido para realização de um evento internacional no país. A Copa América no Brasil é um deboche e um desrespeito com as 460 mil famílias em luto no país”, afirmou a parlamentar.

Especialistas

Marcelo Otsuka, infectologista e coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), afirmou que neste momento não é ideal ter uma competição desse porte no país.

“O Brasil tem um alto número de casos e ainda vive um platô de óbitos e números que ainda são alarmantes, próximos a duas mil mortes por dia”, lembrou Otsuka.

A médica Lucia Pellanda, professora de epidemiologia e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), fez avaliação semelhante.

“Não é o momento, quando o país enfrenta o risco de terceira onda. Há um simbolismo muito forte. Precisamos de uma campanha de comunicação para engajamento de toda a sociedade. Quando ídolos e pessoas que a população admira estão vivendo a vida ‘normal’, sem máscaras, desrespeitando regras, isso tem um impacto muito grande. Precisamos de ajuda de todos os setores agora”, afirmou a pesquisadora.

O epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), disse que a decisão é “temerária”.

“Eu achei uma decisão muito temerária. Tem outros países aqui da América do Sul que estão com a vacinação muito mais avançada e com a pandemia muito mais controlada – o Chile, óbvio, que é o exemplo mais fácil de dar. Então, fica estranho de entender de onde que vem essa decisão”, ponderou.

O Chile tinha surgido como candidato informal para sediar o torneio junto com a Argentina – mas, como só poderia receber um grupo de equipes, a Conmebol achou melhor realizá-lo em um só país, para evitar deslocamentos. Até agora, 52% da população chilena já recebeu as duas doses de alguma vacina contra a Covid-19.

Jamal Suleiman, infectologista do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, classificou a decisão como “inacreditável” e “leviana”. “Eu acho que num momento tão grave que estamos vivendo, você sinalizar que isso [sediar a Copa América] é uma situação possível e boa é no mínimo leviano.”

“Você vai ter uma circulação de indivíduos, vários times de futebol circulando, vários países que não fecharam fronteiras para locais com variantes de preocupação e que podem entrar no Brasil. Estamos vendo os ‘atletas’ se colocando em risco em festas clandestinas em um cenário catastrófico. Além disso, essa faixa etária nem tem vacina prevista. Tudo isso só colabora para a gente ir contra esse tipo de evento no país”, disse Suleiman.

O infectologista acredita que estados devem se organizar contra o evento. “Não devemos aceitar esse tipo de imposição. Está mais do que na hora dos governos estaduais se organizarem para impedir a realização desse tipo de evento nos seus estados.”

Governadores

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), afirmou aos jornalistas que não existirá impedimento por parte do GDF para que isso se torne realidade. “Não haverá resistência da minha parte”, disse o chefe do Executivo local.

Já o governo de Pernambuco destacou, em nota, que, nas últimas semanas, foi identificada uma nova aceleração dos casos de Covid-19, o que motivou novas medidas restritivas em regiões do estado. ”Apesar de ainda não ter sido procurado oficialmente pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o governo do Estado reforça que o atual cenário epidemiológico não permite a realização de evento do porte da Copa América no território de Pernambuco”, diz.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), declarou que conversou com Walter Feldman, secretário-geral da CBF, e afirmou que a Copa América não terá, a princípio, sede em São Paulo. No entanto, Doria diz que não é contra a realização da competição no estado, desde que o evento obedeça os protocolos do Plano São Paulo.

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