Entenda o bloqueio do Telegram, as alegações de PF e STF e suas consequências – Mais Brasília
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Entenda o bloqueio do Telegram, as alegações de PF e STF e suas consequências

Decisão determinou que plataformas e provedores suspendam o aplicativo em todo o Brasil

Foto: Reprodução

O ministro do STF Alexandre de Moraes acolheu pedido da Polícia Federal e determinou que as plataformas e provedores de internet bloqueiem o funcionamento do Telegram em todo o Brasil.

A decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) foi criticada por Bolsonaro, que a chamou de inadmissível, e pelo ministro da Justiça, Anderson Torres -a PF é ligada à pasta dele.

O que é Telegram?

É um aplicativo de mensagens com funcionamento parecido com o do WhatsApp. Além de ter alta capacidade de viralização, com grupos que podem comportar até 200 mil membros, o Telegram possui uma dinâmica que se assemelha muito mais a redes sociais. Apesar disso, não modera conteúdo -a não ser em casos como de terrorismo.

Por que o Telegram foi bloqueado em todo o Brasil?

Em sua decisão, ao atender pedido da Polícia Federal, o ministro Alexandre de Moraes disse que “o desrespeito à legislação brasileira e o reiterado descumprimento de inúmeras decisões judiciais pelo Telegram, empresa que opera no território brasileiro, sem indicar seu representante, inclusive emanadas do Supremo Tribunal Federal, é circunstância completamente incompatível com a ordem constitucional vigente, além de contrariar expressamente dispositivo legal”.

Na decisão de 18 páginas, Moraes salienta reiteradas vezes a “omissão” do Telegram em fazer cessar a divulgação de notícias fraudulentas e a prática de infrações penais.

Quais os argumentos da PF?

Além de destacar a possibilidade de o aplicativo continuar a desrespeitar o Judiciário, a Polícia Federal argumentou no pedido de bloqueio ao Supremo que o serviço de mensagens tem sido utilizado em outras situações como meio seguro para prática de crimes graves.

A PF observou que a postura do grupo em não se submeter a diretrizes governamentais a partir de princípios que regem a sua política de privacidade tem resultado em sanções, já aplicadas por 11 países.

A decisão de Moraes estava em um processo sigiloso, mas ele a tornou pública após o vazamento de trechos por um perfil do Twitter. O ministro determinou que a rede social informe todos os dados disponíveis a respeito do usuário que fez a publicação e que, depois, a Polícia Federal o interrogue.

Até quando o Telegram permanecerá bloqueado no Brasil?

Moraes afirma que a suspensão deve perdurar até o efetivo cumprimento de suas decisões no curso das investigações, inclusive com o pagamento de multas diárias fixadas e com a indicação, em juízo, de representação oficial no Brasil (pessoa física ou jurídica). A sede do aplicativo fica atualmente em Dubai, no Emirados Árabes.

O ministro menciona o descumprimento de uma ordem, imposta ainda do ano passado, para retirada do ar de uma publicação de Bolsonaro relacionada ao caso do vazamento de apuração da Polícia Federal sobre ataque hacker a sistemas da Justiça Eleitoral em 2018.

Cita, ainda, determinação no âmbito do inquérito das fake news de bloqueio de um canal bolsonarista e fornecimento dos dados cadastrais ao STF, o que também não aconteceu.

No último dia 26, após ordem de Moraes, o Telegram bloqueou três canais ligados ao influenciador bolsonarista Allan dos Santos. Essa foi a primeira ordem judicial brasileira cumprida, em partes, pelo aplicativo.

Porém, segundo o ministro, a plataforma também teria que indicar o usuário de criação dos perfis, com dados como CPF e email, suspender os repasses de valores oriundos de monetização e publicidade, além de indicar os ganhos de cada um dos canais.

Essa determinação, aponta Moraes, não foi atendida. Fora o bloqueio, o Telegram não apresentou qualquer informação nos autos, diz o ministro.

O que acontece se a decisão não for cumprida?

A decisão, que veio a público nesta sexta-feira (18/3), estipula multa diária de R$ 100 mil caso as empresas deixem de adotar as providências necessárias para suspender a utilização do serviço de mensagens.

Foi fixada em R$ 500 mil a multa diária se os responsáveis pelo aplicativo não cumprirem ordens anteriores do próprio magistrado no inquérito da fake news, incluindo a retirada do ar de publicação do presidente Jair Bolsonaro (PL) com informações falsas sobre as urnas eletrônicas.

Qual foi a reação do governo Bolsonaro à decisão de Moraes?

A decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) foi criticada por Bolsonaro, que a chamou de inadmissível, e pelo ministro da Justiça, Anderson Torres -a PF é ligada à pasta dele.

“Milhões de brasileiros sendo prejudicados repentinamente por uma decisão monocrática”, afirmou Torres, dizendo ter determinado a diversos setores do ministério “que estudem imediatamente uma solução para restabelecer ao povo o direito de usar a rede social que bem entenderem”.

O advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, entrou com um pedido de medida cautelar ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a ordem de bloqueio do Telegram.

O pedido do advogado-geral da União não foi direcionado ao ministro Alexandre de Moraes, que determinou a suspensão do Telegram, mas à ministra Rosa Weber.

Concluído no fim da noite desta sexta-feira (18/3), o pedido foi direcionado a uma ação direta de inconstitucionalidade no STF relatada por Weber.

O que o Telegram disse após a decisão do STF?

O fundador do Telegram, Pavel Durov, disse nesta sexta-feira (18/3) que um problema técnico impediu a plataforma de receber notificações judiciais do Brasil. Ele fez um apelo ao Supremo Tribunal Federal para que reconsidere o bloqueio do serviço e prometeu instalar representação no país.

“Parece que tivemos um problema com emails entre os endereços corporativos do telegram.org e o Supremo Tribunal Federal do Brasil. Como resultado dessa falha de comunicação, o tribunal decidiu bloquear Telegram por não responder”, escreveu.

Durov pediu desculpas ao STF no texto publicado em seu canal no Telegram pouco depois das 19h (horário de Brasília). A sede da empresa fica em Dubai, nos Emirados Árabes.

“Em nome da nossa equipe, peço desculpas ao Supremo Tribunal Federal por nossa negligência”, afirmou Durov. “Definitivamente, poderíamos ter feito um trabalho melhor.”

Ele diz acreditar que a resposta enviada ao STF tenha sido “perdida” pois as tentativas de contatos posteriores por parte do tribunal foram encaminhadas ao endereço antigo de email, que “tem um propósito mais amplo e geral”.

“Como resultado, perdemos a decisão que continha um pedido de suspensão subsequente no início de março. Felizmente, agora a encontramos e concluímos, entregando hoje outro relatório ao tribunal”, afirmou, referindo-se a uma outra ordem de Moraes sobre Allan, do último dia 8.

O criador do Telegram disse que dezenas de milhões de brasileiros dependem do aplicativo para se comunicar com a família e amigos.

“Peço que o tribunal considere adiar sua decisão por alguns dias a seu critério para nos permitir remediar situação nomeando um representante no Brasil e criando uma estrutura para reagir de forma rápida a futuras questões urgentes como essa”, disse Durov.

Qual o temor das autoridades em relação ao Telegram?

O Telegram é visto como uma das principais preocupações para as eleições de 2022 devido à falta de controles na disseminação de fake news e se tornou também alvo de discussão no Congresso e no TSE para possíveis restrições em seu funcionamento no Brasil.

Amplamente usada pela militância bolsonarista, a ferramenta é hoje um dos desafios das autoridades brasileiras engajadas no combate à desinformação eleitoral. Até o momento, elas não tiveram sucesso em estabelecer um contato com os responsáveis pela plataforma.

Com pouca moderação e uma estrutura propícia à viralização, a plataforma é uma das preocupações do TSE para as eleições de 2022. A ferramenta conta com grupos de 200 mil integrantes e canais com número ilimitado, caso de Bolsonaro.

Ministros temem que a plataforma seja o principal canal para o presidente e seus aliados disseminarem declarações falsas sobre supostas fraudes nas eleições.

O Telegram conta com representante no Brasil?

Sim, como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o Telegram conta com representante no Brasil há sete anos para atuar em assunto de seu interesse junto ao órgão do governo federal encarregado do registro de marcas no país, ao mesmo tempo em que ignora chamados da Justiça brasileira e notificações ligadas às eleições.

Os poderes de representação foram conferidos pelo empresário russo Palev Durov, um dos fundadores e CEO da empresa, ao escritório Araripe & Associados, com sede no Rio de Janeiro.

Enquanto isso, a plataforma tem escapado de ordens e pedidos de autoridades brasileiras, inclusive do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF, que fazem tentativas de contato sobre demandas envolvendo publicações na rede social.

Quais mudanças legislativas estão em estudo para conter o Telegram?

O Congresso discute um projeto de lei -conhecido como PL das Fake News- com o objetivo de fixar as balizas para o funcionamento de empresas de serviço de mensagens e redes sociais. A proposta tem pontos de muita polêmica, e Bolsonaro já antecipou que pretende vetar trechos.

Na Alemanha, com cerca de 8 milhões de usuários, o Telegram vinha igualmente se recusando a conversar com autoridades que atuam no enfrentamento a ações de grupos extremistas.

A plataforma mudou recentemente de postura com a sinalização de que medidas mais drásticas poderiam ser adotadas, incluindo o seu banimento do país. Bloqueou mais de 60 canais usados por radicais em atendimento a um pedido da polícia alemã.

Como será feito o bloqueio do Telegram?

Todas as operadoras de telefonia móvel e fixa do país devem bloquear o acesso de seus clientes ao aplicativo Telegram em todo o país até a terça-feira (22/3), um dia antes do prazo máximo determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

As quatro principais operadoras (Vivo, Claro, Tim e Oi) já trabalham para efetivar o bloqueio o quanto antes. A Conéxis, associação que representa o setor, disse que “as empresas de telecomunicações cumprem as decisões judiciais”.

Embora a agência tenha sido comunicada, cabe às operadoras implementar a determinação do ministro do STF.

Nos bastidores, técnicos das operadoras consultados sob anonimato avaliam que o bloqueio não será tão eficaz porque aplicativos como o Telegram costumam “mascarar” os IPs (endereços de internet associados ao serviço) -referência usada pelas operadoras para bloquear o acesso. Por eles, é possível identificar de onde vem o sinal e quem recebe.

Segundo esses técnicos, caberá à engenharia de cada operadora monitorar possíveis volumes consideráveis de acessos de IPs que, a princípio, não são relacionados ao Telegram. Depois de analisá-los, comprovando se tratar do aplicativo, poderão efetivar o bloqueio dos IPs “mascarados”.

Os técnicos das empresas informam que, do ponto de vista técnico, não há dificuldades em implementar a barreira, nem em se fazer esse monitoramento posterior de tráfego.

É possível que, na prática, a decisão de Moraes seja ineficaz?

Sim. Do ponto de vista tecnológico, a medida de bloqueio não deve funcionar na prática, de acordo com Marcos Antônio Simplício Júnior, especialista em cibersegurança da Escola Politécnica (Poli) da USP.

“Tem jeitos de fazer e nenhum deles vai funcionar”, avalia. “O básico seria [bloquear] via DNS. Por que não funciona? Por que o usuário pode simplesmente trocar o servidor de DNS. Só usar um de fora do Brasil e vai conseguir voltar a utilizar”.

Caso o aplicativo não funcione via DNS e tenha um IP fixo cadastrado seria possível bloquear o IP.

“Nesse caso também da para sair [do bloqueio] via proxy ou VPN. A ideia é que a informação vai para um outro site e esse outro site acessa o Telegram para você. Da para fazer de forma segura.

Essas são as duas táticas básicas para bloquear alguma coisa na internet”, diz.

Segundo o professor do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da USP, qualquer uma das duas possibilidades de bloqueio tem formas de burlar relativamente simples.

“Nada que um tutorial de dois minutos na internet não explique como fazer. O próprio WhatsApp foi bloqueado no passado usando este tipo de técnica que não funcionava na prática”, diz.

“A internet foi feita para ser difícil de bloquear”, brinca o especialista.

Caso o usuário não possuísse o Telegram, depois do bloqueio, ele conseguiria baixar o aplicativo em sites hospedados fora do Brasil.

Quem tentar burlar a decisão pode ser punido?

Sim. Pensando nessa possibilidade, o ministro Alexandre de Moraes também estipulou multa para os usuários que tentem burlar a proibição, embora seja muito difícil identificar esta prática.

No despacho, o magistrado afirma que “as pessoas naturais e jurídicas que incorrerem em condutas no sentido de utilização de subterfúgios tecnológicos para continuidade das comunicações ocorridas pelo Telegram estarão sujeitas às sanções civis e criminais, na forma da lei, além de multa diária” de R$ 100 mil.

O que especialistas dizem sobre a decisão de Moraes do ponto de vista jurídico?

Especialistas em direito digital e cibersegurança ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo avaliam que faltam bases jurídicas que sustentem o bloqueio.

“Hoje o bloqueio do Telegram no Brasil dificilmente encontra respaldo na legislação e poderia ser pouco efetivo por conta da forma que os usuários podem burlar o bloqueio da internet”, diz Guilherme Klafke, pesquisador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação na FGV (Fundação Getulio Vargas).

Segundo ele, não existe uma lei que criminalize a conduta dos usuários de aplicativos como o Telegram, especialmente no que se refere a desinformação.

“Não é pacífico que exista lei que autoriza bloqueio de aplicativo. Tanto não é pacífico que o Supremo ainda não terminou de julgar as ações sobre o bloqueio do WhatsApp, que também não cumpriu decisões judiciais alegando que tinha uma criptografia de ponta a ponta”, avalia.

Ele explica que está previsto no Marco Civil da Internet que em caso de crime a plataforma tem o dever de remover o conteúdo.

O especialista também cita que o Código de Processo Penal e as leis de investigação de organizações criminosas também preveem que as plataformas compartilhem informações com a Justiça em casos que envolvam a segurança pública. Entretanto, este não seria o caso do Telegram.

“Não existe o crime de desinformação, o tipo penal. O que existe é uma infração na legislação eleitoral que você comete quando divulga fatos sabidamente inverídicos durante o processo eleitoral, que ainda nem começou”, afirma.

Solano de Camargo, presidente da comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-SP, avalia como inconstitucional um bloqueio total do Telegram no país.

Segundo ele, banir o uso da plataforma é medida “exagerada” e “desproporcional” e vai contra a liberdade de expressão de todos os usuários. Camargo argumenta que a medida terá como efeito apenas empurrar os internautas brasileiros para outras plataformas.

O bloqueio teria como fundo “a existência de alguns grupos de discussão nos quais poderia ter ocorrido algum ilícito eleitoral. Mas isso não quer dizer que a ferramenta como um todo sirva para crime”, diz.

Para Camargo, é inconstitucional “porque derruba a comunicação de mais de 50 milhões de usuários brasileiros por conta de possíveis crimes cometidos por poucas pessoas. O princípio da Constituição é que as decisões precisam ser proporcionais e razoáveis.”