Imóveis privados estão dentro de 422 mil km2 de terras públicas, indígenas e assentamentos – Mais Brasília
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Imóveis privados estão dentro de 422 mil km2 de terras públicas, indígenas e assentamentos

A análise do observatório aponta que tais valores de sobreposição podem ser ainda maiores

Foto: Reprodução

Propriedades privadas estão sobrepostas a mais de 422 mil km² de terras públicas, assentamentos e áreas quilombolas no Brasil. É, aproximadamente, como se os estados de São Paulo e do Paraná estivessem sobrepostos a essas terras.

Os dados são provenientes do Termômetro do Código Florestal, plataforma do Observatório do Código Florestal (rede com dezenas de entidades ambientais), que foi lançada na manhã desta sexta-feira (16). Trata-se de uma atualização da primeira versão da ferramenta, que foi colocada em ação em 2018.

Desse total de sobreposição, cerca de 254 mil km² de imóveis privados estão dentro de unidades de conservação, terras indígenas e florestas públicas. Outros cerca de 168 mil km² de áreas privadas cadastradas no CAR (Cadastro Ambiental Rural) se sobrepõem a territórios a terras quilombolas e assentamentos delimitados pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

A análise do observatório aponta que tais valores de sobreposição podem ser ainda maiores. A plataforma cruza as informações do CAR com os dados das categorias fundiárias do país.

Todo proprietário de terra no Brasil precisa autodeclarar seu imóvel rural no CAR, processo no qual devem ser apontados os limites da propriedade, com detalhamento sobre a sua composição, como rios, áreas de preservação permanentes e reserva legal -a fatia de vegetação nativa que deve permanecer intacta.

Apesar de ser autodeclaratório, após o registro os estados devem fazer uma análise do que foi computado, para verificar a veracidades das informações. Posteriormente, os proprietários de terras devem fazer a regularização ambiental, ou seja, corrigir possíveis passivos ambientais -por exemplo uma reserva legal menor do que a legalmente requerida.

O CAR, atualmente, segundo os dados divulgados pelo Termômetro do Código Florestal, já conta com mais de 6,7 milhões de cadastros.

O problema, porém, começa no passo seguinte, a validação das informações. A nova ferramenta aponta que 23,8% das propriedades cadastradas passaram por algum tipo de análise e meros 0,49% imóveis rurais foram validados.

O baixo nível de validação das propriedades registradas no CAR traz problemas e trava o processo de implementação do Código Florestal de 2012.

O primeiro problema pode ser o uso indevido do CAR no processo de grilagem, estratégia que já é conhecida há anos. Proprietários podem propositalmente usar os registros no sistema nacional para ocupar e potencialmente desmatar áreas que não são suas, como fatias de florestas públicas não destinadas.
Sem a validação, não há como saber os erros ou a má-fé presente nos registros.

Além disso, como dito anteriormente, se os estados não conferirem as informações, não há como avançar no chamado PRA (Programa de Regularização Ambiental). Seria nesse momento em que propriedades que não estivessem em conformidade com o Código Florestal teriam que agir para se adequar à lei.

Em linhas gerais, desmatamentos anteriores a 22 de julho de 2008 foram anistiados pelo código. Qualquer supressão de vegetação posterior a isso necessariamente precisa ser autorizada pelos órgãos ambientais.

O Código Florestal determinou que as propriedades reservem uma área com vegetação nativa, a chamada reserva legal. Na Amazônia legal, em linhas gerais, a reserva precisa ocupar 80% da área de propriedades que se encontram em áreas de floresta, enquanto em outros biomas o índice cai para 20%. Na reserva podem ser feitas práticas de manejo sustentável.

Outro ponto regulamentado são as APPs (Áreas de Preservação Permanente), como margens de rios e lagos, e os morros, que também devem ser preservados com a vegetação natural.
A desconformidade com algum desses elementos leva à necessidade de ação do proprietário. Por exemplo, a recomposição, regeneração ou mesmo compensação de reservas legais de tamanhos inferiores ao que a lei aponta.

Há outros mecanismos que, sem a validação das propriedades, acabam em situação difícil para execução. Um deles é um mercado de Cotas de Reserva Ambiental.

Em resumo, proprietários que tenham reservas legais maiores do que é exigido pela lei podem legalmente “transformar” esse pedaço a mais em cotas. Elas, então, podem ser virtualmente adquiridas para compensar imóveis rurais do mesmo bioma que tenham deficit de reserva.

Por Phillippe Watanabe