Inhotim entra em nova fase com doação definitiva de acervo de Bernardo Paz – Mais Brasília
FolhaPress

Inhotim entra em nova fase com doação definitiva de acervo de Bernardo Paz

Museu também vai adotar nova gestão com conselho formado por nomes como Roberto Setúbal e Keyna Eleison

Foto: Inhotim -Divulgaçaõ

O Instituto Inhotim, um dos museus mais importantes do país, entra numa nova etapa de independência de seu fundador, Bernardo Paz. O empresário fez a doação definitiva das coleções do museu, que eram de sua propriedade, à instituição e também criou um novo conselho que será a instância máxima de gestão.

O museu a céu aberto em Brumadinho, nos arredores de Belo Horizonte, começou como uma coleção privada de Paz nos anos 1980 e abriu para a visitação pública em 2006, o que ele considera o marco desse projeto de tornar a instituição mais independente.

“A doação é parte de um processo natural que nasce de um projeto de vida que foi se ampliando ao longo dos anos e agora é o momento de consolidar essa vocação pública e preparar isso para o futuro”, diz o empresário, em entrevista por email.

Mais de 400 obras de arte contemporânea, as galerias que estão no Inhotim e as áreas com o jardim desenhado por Burle Marx fazem parte dessa doação. Entre as peças, há trabalhos de nomes como Anri Sala, Nelson Leirner, David Lamas -alguns não estão no instituto agora e serão incorporados a exibições futuras.

Além desse gesto de reforçar uma vocação pública que Paz quer imprimir no museu, na prática essa doação também faz com que a direção artística, comandada pela venezuelana Julieta González, participe dos processos de aquisição e tenha uma leitura mais ativa do acervo atual.

“Existe um desejo da instituição e da curadoria de tornar Inhotim um espaço mais vivo e com uma programação mais atuante”, afirma o diretor Lucas Pessôa, que assumiu o cargo no começo deste ano, assim como González. A própria contratação da nova equipe, afirma ele, é reflexo desse propósito de Paz.

Já é resultado disso na curadoria trazer o Museu de Arte Negra, projeto idealizado pelo intelectual Abdias Nascimento, em mostras divididas entre atos durante todo o ano e outras exposições coletivas inauguradas com uma frequência maior do que acontecia em anos anteriores.

A nova equipe já havia sinalizado a intenção de criar uma programação que também travasse diálogos mais firmes entre natureza e arte e dar atenção a temas como ecologia e sustentabilidade.

Julieta Gonzáles enxerga como uma virada importante na coleção do museu mineiro uma aquisição maior de obras de artistas e temas afro-diaspóricos.

“Essas obras abrem muitas avenidas de pensamento e de pesquisa. E isso não só para pensar as próprias culturas afro-diaspóricas, mas também para se pensar a relação com a terra e em culturas e saberes não cartesianos num momento em que queremos deter essa máquina que acaba com o mundo natural”, diz ela.

Pêssoa afirma que, nesse processo, a instituição também entendeu que era necessário uma nova governança para o Inhotim. Por isso, foi criado um conselho deliberativo e fiscal, com mandatos alternados, que será a instância máxima do espaço.

O grupo, formado por 20 pessoas e que pode chegar a 30 integrantes, terá Paz como presidente, o empresário Eugênio Mattar, da Localiza, como vice e nomes como Roberto Setúbal e Keyna Eleison. O diretor também diz que o norte dessa formação foi chamar pessoas de origens e regiões distintas.

Dono da Itaminas, conglomerado formado por 29 empresas, Paz foi absolvido de uma acusação de lavagem de dinheiro em 2020. Imbróglios do grupo já chegaram a pôr em risco a doação de obras do museu ao governo para quitar dívidas.

“Fiquei realmente muito abalado com a acusação, ao longo de todo o processo. Depois de inocentado por unanimidade, meu ânimo voltou, principalmente porque voltei a focar minha energia aqui, a pensar no futuro, na expansão e na perenidade do Inhotim. Hoje consigo enxergar a existência do Inhotim para além da minha, o que me causa alívio e alegria”, afirma ele.

Paz diz, no entanto, que a doação das obras para a instituição nada tem a ver com esses problemas. “Esse é o desdobramento de um processo natural que se iniciou em 2006, com a abertura da minha coleção privada à visitação pública, e agora se consolida com a doação e a presença da sociedade civil de forma mais ampla na governança”, ele afirma.

Com um custo anual de R$ 60 milhões, hoje dois terços desse valor vem de aportes do próprio empresário -e, segundo Pêssoa, o diretor, toda essa movimentação também visa criar uma independência financeira de Paz ao longo dos anos.

A bilheteria e outras fontes correlatas representam 10% da receita do Instituto Inhotim, que ainda tem de 25% a 30% de recursos chegando via Lei de Incentivo à Cultura.

Isso acontece num momento que o museu e todas as instituições culturais também tentam se reerguer depois do fechamento em função da pandemia. Em 2020, por exemplo, o espaço só recebeu 48 mil visitantes, número que já saltou para quase 103 mil no ano passado.

O diretor da instituição afirma que é preciso algum distanciamento histórico para entender o peso dessa decisão de Paz, mas que já a considera uma “quebra de paradigmas” do que o setor privado pode fazer com instituições culturais que caminham para serem públicas.

Por Carolina Moraes