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FolhaPress

Justiça suspende licenças de mineradora na Serra do Curral (MG)

Rica em minério de ferro, mas também em fauna e flora, a Serra do Curral tem parte de sua extensão protegida por meio da criação de parques

Foto: Bernardo Dias/Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

A Justiça Federal suspendeu as licenças concedidas pelo Governo de Minas Gerais para a exploração de minério de ferro pela empresa Tamisa (Taquaril Mineração S/A) na Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte. O empreendimento prevê a retirada de 31 milhões de toneladas de minério de ferro ao longo de 13 anos.

Rica em minério de ferro, mas também em fauna e flora, a Serra do Curral tem parte de sua extensão protegida por meio da criação de parques. Por outro lado, há áreas na região nas mãos de mineradoras. Duas delas, a Guten Sicht e a Fleurs Global, têm suas licenças, também concedidas pelo estado, sob investigação da Polícia Federal, conforme mostrou a Folha de S.Paulo em 23 de novembro.

A decisão contra a Tamisa, em caráter liminar, foi tomada nesta quinta (15) pelo desembargador federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz, do TRF-6 (Tribunal Regional Federal da 6ª Região), dentro de ação movida pelo MPF (Ministério Público Federal) em Minas Gerais.

O pedido de suspensão havia sido negado pela primeira instância da Justiça Federal no estado. A argumentação da Procuradoria é que a comunidade quilombola Mango Nzungo Kaiango, originária da região, não foi consultada sobre o empreendimento, conforme previsto na legislação brasileira e tratados internacionais.

No posicionamento da Justiça Federal há o entendimento de que, “além de flagrante violação do direito à consulta dos quilombolas, fica também evidenciado que o início das atividades de instalação autorizadas pelo Estado trazem risco direto e imediato à manifestação existencial da comunidade Manzo”.

A Tamisa afirma que os estudos realizados durante o processo de licenciamento ambiental do empreendimento concluíram pela ausência de impactos para o território, crenças e práticas da comunidade quilombola, fato que, segundo a empresa, foi ignorado na decisão da Justiça Federal. A autorização para empresa explorar a região é de 30 de abril deste ano.

O procurador do MPF em Minas Gerais Edmundo Antonio Dias, que atua na área de povos e comunidades tradicionais, e é autor da ação contra a mineradora, afirma haver impactos tanto no território como nas práticas espirituais dos quilombolas, e que a comunidade tinha que ser consultada sobre o empreendimento. “Os costumes deste grupo étnico precisam ser preservados à luz da Constituição”, frisou Dias.

No aspecto territorial, o procurador afirma que tratados internacionais determinam que empreendimentos desta natureza precisam estar distantes pelo menos oito quilômetros da comunidade. No caso da Serra do Curral, segundo Dias, a distância não é sequer a metade disso.

O desembargador autor da decisão afirma ainda, em seu posicionamento, que “a administração pública, ao analisar licenciamento ambiental no qual as atividades examinadas possam impactar a vida dos povos quilombolas, deve consultá-los de maneira específica, conforme a particularidade do caso e das individualidades e tradições de suas comunidades”.

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente afirmou que em respeito aos ritos forenses e à divisão dos Poderes, o Governo de Minas não comenta ações judiciais. Disse ainda que, quando houver intimação, se pronunciará nos autos. Sobre as mineradoras Gute Sicht e Fleurs Global, o governo já havia anunciado revisão nas licenças.

A Tamisa disse que não iniciou a retirada de minério de ferro na região e que, por isso, a decisão é desproporcional e injustificada. Afirmou também acreditar na revisão do posicionamento, por entender que poderá criar grave “instabilidade para as políticas públicas estaduais e para a dinâmica social e econômica (…)”.

A comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango foi reconhecida pela Fundação Cultural Palmares em 2007. Ao todo tem 37 famílias, que somam 182 pessoas. Em 2017, foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte, após aprovação unânime do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município.

Em 2018, foi reconhecida como patrimônio cultural de Minas Gerais pelo IEPHA, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico. Nos dois registros foi ressaltada a importância da atuação estatal para garantir a manutenção das práticas culturais, religiosas e sociais do quilombo.

Por Leonardo Augusto