Médicos de SP implantam menor marca-passo do mundo

Dispositivo é destinado a pacientes críticos que, por conta de complicações de saúde, não poderiam recorrer ao tradicional

Já passava das 13h quando a equipe de cirurgia do médico Carlos Eduardo Duarte iniciou uma das operações mais aguardadas do último sábado (20). Cardiologista da BP -A Beneficência Portuguesa de São Paulo, ele estava prestes a implantar o menor marca-passo do mundo em um paciente -procedimento realizado pela segunda vez no Brasil.

Duarte é especialista em eletrofisiologia cardíaca, uma área de medicina cardiovascular que cuida dos distúrbios no ritmo do coração, como as arritmias. No caso desse paciente, um homem de 56 anos residente em Carapicuíba, na Grande São Paulo, a falta de ritmo do coração mantinha os batimentos elevados -um risco ainda maior para alguém como ele, que tem apenas 25% do coração funcional e já sofreu um infarto, com a colocação de dois stents (“pequenas molas” que abrem as artérias).

O dispositivo escolhido para ajudar a corrigir essa disfunção foi o Micra, da Medtronic, considerado o menor marca-passo do mundo. De fato, ao colocar na mão, o dispositivo impressiona pelo tamanho diminuto -equivalente ao de algumas cápsulas de medicamentos- e pela leveza, já que pesa apenas 2 gramas.

Um marca-passo “convencional” tem, em média, de 20 g a 30 g e é um pouco menor que uma caixa de fósforo. O custo para implantá-lo é de cerca de R$ 25 mil. No caso do Micra, o valor do procedimento é de aproximadamente R$ 125 mil -o plano de saúde cobriu as despesas do paciente.

O marca-passo minúsculo é destinado a pacientes críticos que, por conta de complicações de saúde (câncer, doenças renais etc.), não poderiam recorrer ao marca-passo convencional. Para entender melhor sua vantagem, antes precisamos saber como funciona um dispositivo tradicional.

O marca-passo (qualquer um) é implantado no coração para corrigir disfunções no ritmo cardíaco ao estimular o batimento correto por meio de impulsos elétricos. Normalmente, o modelo “comum” é composto por uma bateria e eletrodos, conectados ao equipamento por fios bem finos e maleáveis. Sua implantação é feita em vasos sanguíneos do corpo de grande calibre (como a veia subclávia, na região da clavícula), para levar os eletrodos até o coração. Já a bateria e o aparelho são implantados entre o músculo do peitoral e a pele do paciente.

O problema é que, como falamos, algumas condições de saúde tornam esse tipo de implante inviável ou problemático para o indivíduo. É o caso do paciente do médico de Carlos Eduardo Duarte, que tem problema nos rins e é dependente de hemodiálise diária.

Como a hemodiálise pode deixar algumas veias mais “sensíveis” ou machucá-las, fazendo com que o vaso “se feche”, não é interessante obstruir um vaso sanguíneo com o marca-passo.

Por isso a utilização do Micra. Por não ter eletrodos (ou qualquer fio) e ser implantado diretamente no coração, onde fica preso pelas quatro pequenas garras que possui, o pequeno marca-passo mantém o sistema venoso preservado. Além disso, o risco de infecção após o procedimento tem um menor risco de infecção, já que a cirurgia é menos invasiva.

“Se ele fosse implantar o aparelho convencional, a cirurgia seria de peito aberto e, portanto, com mais riscos”, explica o médico.

“VAMOS POUSAR NA LUA”

Assim que todos os especialistas se posicionaram na sala de cirurgia, a equipe de VivaBem foi convidada a ficar em uma sala ao lado, de onde foi possível ver a operação por uma janela de vidro

Além da reportagem, estavam ali alguns técnicos e representantes da Medtronic, o cardiologista Luiz Carneiro, sócio-fundador da SBTI (Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva) e médico pessoal do paciente; e o cardiologista Felipe Amorim M. Stella, cardiologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, que acompanhou a internação do paciente desde a sua chegada ao hospital, há cerca de um mês.

Na sala de cirurgia, a expectativa era grande. Além de Duarte, outros eletrofisiologistas acompanhavam o segundo procedimento do tipo feito no Brasil (o primeiro implante foi realizado no Rio Grande do Sul há alguns meses).

Como ele, outros especialistas estavam ali para aprender e entender como essa nova tecnologia iria funcionar. Atualmente, de acordo com a empresa fabricante, mais de 100 mil pessoas já fazem uso do aparelho no mundo.

Assim que o paciente foi colocado na mesa de cirurgia, Duarte apoiou a mão em sua cabeça e disse algo em seu ouvido. A cena foi emocionante: o paciente, nu, coberto por panos e eletrodos -provavelmente tão ou mais ansioso quanto a equipe médica-, acenou positivamente. Logo depois, a anestesia fez efeito e ele adormeceu.

Quando explicou como era o procedimento para implantar o Micra, Duarte afirmou que seria como “pousar na lua”. A frase só fez sentido depois, quando a cirurgia começou. Os médicos fizeram uma incisão na veia femoral e, por ela, passaram um cateter até o coração. Ao chegar lá, introduziram outro cateter, dessa vez com o aparelho na ponta, para que ele fosse liberado diretamente na parede do coração.

Assim como os médicos, enfermeiros e técnicos dentro da sala de cirurgia, nós enxergávamos as imagens de dentro do coração por meio de um monitor. Eram essas imagens que o especialista usou como guia na hora de encontrar o ponto ideal para instalar o marca-passo -tal qual uma equipe de cientistas tentando pousar “remotamente” um robô em algum planeta distante da Terra.

Essa talvez tenha sido a parte mais demorada -e tensa, ao menos para nós- da cirurgia. A todo momento, a imagem era congelada, os médicos conversavam com especialistas e engenheiros da empresa, depois olhavam o monitor e checavam os parâmetros. Se o Micra fosse implantado no local errado, seria necessário puxá-lo novamente e repetir a colocação, estendendo o procedimento, que durou cerca de três horas, para um tempo ainda maior.

O cardiologista sabia da responsabilidade e, por isso, naquela manhã, havia repetido o treinamento, usando um aparelho que simula as condições do corpo na colocação do marca-passo. Duarte, que atualmente faz doutorado e cirurgia torácica e cardiovascular na USP (Universidade de São Paulo), é tão dedicado ao tema que decidiu também cursar engenharia elétrica (curso que vai terminar em 2023).

Uma vez satisfeito com o posicionamento, o marca-passo foi implantado. A partir daí, entraram em cena os engenheiros e técnicos responsáveis pelo aparelho para programá-lo de acordo com as necessidades do paciente (que precisava manter os batimentos mais baixos para preservar o coração). Esse foi o último momento de tensão da equipe, que precisou de mais algum tempo para conseguir equilibrar os impulsos elétricos de acordo com a recomendação médica.

Logo em seguida, vimos os especialistas trocando sorrisos enquanto a programação era concluída. “Se estão rindo, é porque está tudo bem”, comentou o médico Carneiro, que estava ao nosso lado.

“FIZEMOS HISTÓRIA”

Durante todo o procedimento, o paciente permaneceu estável. Uma vez que os batimentos chegaram ao recomendado e a operação foi considerada bem-sucedida, Duarte e sua equipe saíram da sala. Era a vez dos técnicos da hemodinâmica trabalharem para que a incisão não provocasse nenhuma hemorragia.

Já passava das 17h quando os médicos puderam sair da sala para respirar um pouco. Todos foram muito parabenizados, o clima era de alívio e satisfação. A equipe se reuniu para uma foto, uma lembrança daquele dia tão importante para aqueles médicos e especialistas. Entre os mais animados estava Silas dos Santos Galvão Filho, cardiologista especialista em ritmologia cardíaca da BP – A Beneficência Portuguesa, que não se conteve ao dizer: “Nós fizemos história.”

Hoje, quatro dias depois da cirurgia, o paciente está bem e se recupera da operação no hospital.

Por Danielle Sanches 

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