Quase metade dos adultos vacinados contra Covid está com 3ª dose atrasada – Mais Brasília
FolhaPress

Quase metade dos adultos vacinados contra Covid está com 3ª dose atrasada

Baixa proporção é preocupante, especialmente com a circulação da nova subvariante da ômicron

Foto: Erasmo Salomão/Ministério da Saúde/Divulgação

Quase metade dos brasileiros aptos a tomarem a terceira dose da vacina contra a Covid-19 ainda não recebeu o reforço. São aproximadamente 56,6 milhões de pessoas que estão atrasadas ou ignoraram a necessidade da dose adicional.

Especialistas veem a baixa cobertura com preocupação, principalmente após a desobrigação do uso de máscaras em diversos estados e municípios.

Segundo levantamento da Folha com dados do Ministério da Saúde, cerca de 122,8 milhões de adultos estão habilitados a receber o reforço por terem sido vacinados com a segunda dose há quatro meses ou mais. Contudo, 46% deles ainda não atualizaram a imunização.

O país não tem conseguido avançar na aplicação da dose adicional. Na última terça-feira (22/3), cerca de 41% da população de 18 anos ou mais estava com as três doses, número não muito superior ao de um mês atrás, quando a cobertura alcançava 38%.

A baixa proporção é preocupante, especialmente com a circulação da nova subvariante da ômicron. Segundo estudos, a BA.2 pode ser até 40% mais transmissível que a linhagem antecessora.

Assim como a cepa anterior que estava circulando no país, pesquisas indicam que a BA.2 pode ter escape imunológico. Por isso, aqueles que tomaram ao menos três doses da vacina têm maior proteção.

“É muito importante que o país consiga avançar na cobertura de terceira dose diante do cenário que está se formando. Ao que tudo indica, estamos terminando o ciclo da ômicron BA.1, mas já vemos o avanço de casos da BA.2 na Europa, principalmente em países que têm baixa proporção de vacinados com o reforço”, diz a infectologista Raquel Stucchi, professora da Faculdade de Medicina da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

O levantamento da Folha de S.Paulo mostra que a cobertura com três doses é maior na população mais velha, elegível desde o fim de setembro de 2021. Mas quase um terço das pessoas na faixa de 60 anos ou mais ainda não recebeu o reforço.

Nesse grupo, 1 a cada 4 aptos a receber a terceira dose não voltou para atualizar a proteção -cerca de 7,5 milhões de pessoas.

Até meados de novembro de 2021, cerca de 30 milhões de brasileiros nessa faixa etária (92%) haviam sido vacinados com duas doses. Esse seria, portanto, o número aproximado de habilitados a ter o reforço no braço quatro meses depois, no início desta semana.

A cobertura com a terceira dose diminui gradativamente nas faixas mais jovens. Entre os adultos de 40 a 59 anos, ela é de 45%. Pouco mais da metade dos habilitados voltou para atualizar a imunização.

Entre os que têm de 18 a 39 anos, só 39% dos elegíveis já haviam buscado o reforço. Essa faixa concentra o maior número de brasileiros com a terceira dose potencialmente atrasada: cerca de 29 milhões de pessoas.

Apesar do teto mais baixo, por ter sido incluída mais tarde na campanha, essa faixa já poderia ter quase dois terços de cobertura (65%), considerando o total de vacinados com duas doses há quatro meses ou mais. Até terça, porém, só um quarto dos brasileiros com 18 a 39 anos havia recebido o reforço.

No geral, em toda a população de 18 anos ou mais, a cobertura do reforço era de 41%. A expectativa, contudo, é que até 76% estivessem com a imunização completa.

Desde novembro, a administração da dose adicional é recomendada a todos os adultos.

Como as aplicações têm avançado pouco nas últimas semanas, especialistas temem que a imunização no país tenha estagnado. Por isso, ressaltam a importância de novas ações das autoridades de saúde.

“Os estudos que temos hoje já mostram que a terceira dose faz parte do esquema primário de vacinação, não é mais um ciclo de duas doses. A população precisa estar informada e consciente de que, sem a terceira dose, não está segura”, diz a epidemiologista Ana Maria Brito, da Fiocruz.

Ela explica que as novas variantes têm provocado casos de reinfecção em outros países com baixa cobertura vacinal. É a situação do Reino Unido, que vive uma explosão de contaminados com a nova subvariante e tem cerca de 50% da população com as três doses.

Especialistas consultados pela reportagem consideram que um patamar seguro seria ter ao menos 90% da população com a dose de reforço.

Para eles, os governadores e prefeitos deveriam ter esperado o índice estar mais alto antes de desobrigar o uso de máscara em ambientes fechados. Na maioria dos estados, os mandatários justificaram a flexibilização com o argumento de ter alto índice de vacinados com primeira dose.

“As decisões deveriam ser tomadas com base na informação de terceira dose, que é quando as pessoas estão mais protegidas. O momento é de incerteza com a chegada da BA.2 e, em uma situação de incerteza, o melhor seria adotar o princípio da precaução”, diz o epidemiologista Roberto Medronho, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Outro fator de preocupação apontado pelos especialistas é a chegada do outono no país, quando normalmente há um aumento de doenças respiratórias.

“Os dias mais frios podem provocar uma mistura perigosa, ainda mais depois da flexibilização do uso de máscara em vários locais. Há a preocupação com as doenças respiratórias da época, a Covid e até a possibilidade de desenvolver as duas ao mesmo tempo, como ocorreu no início do ano”, lembra Stucchi.

Entre dezembro e janeiro, o país teve uma explosão de casos de influenza junto com a onda da variante ômicron, e houve o registro de coinfecção pelas duas, um fenômeno que foi chamado de “flurona”.

Na avaliação de Brito, a estagnação da cobertura vacinal da terceira dose pode contribuir para uma piora da situação do país, já que pessoas sem imunização adequada contribuem para a maior circulação do vírus.

“As pessoas precisam entender que a vacina não é uma proteção somente a elas, mas para todos. Sem aumentar a cobertura, podemos ter uma piora e ter que retroceder nas flexibilizações já feitas, o que ninguém quer”, afirma a epidemiologista.

Por Cristiano Martins, Isabela Palhares e Diana Yukari