Supercervo brasileiro da Era do Gelo era maior do que os cientistas imaginavam – Mais Brasília
FolhaPress

Supercervo brasileiro da Era do Gelo era maior do que os cientistas imaginavam

Bicho podia ultrapassar 200 kg

Foto: Reprodução

A análise cuidadosa de crânios com milhares de anos de idade ajudou a revelar as verdadeiras dimensões de um gigante da Era do Gelo sul-americana: o cervo Antifer ensenadensis, que se extinguiu há cerca de 10 mil anos.

Uma nova estimativa indica que o bicho podia ultrapassar os 200 kg -pesando, portanto, quase o dobro de seu maior parente vivo na região, o cervo-do-pantanal.

Só a galhada do animal, com belas ramificações simétricas e rugosidades que a tornam inconfundível, já podia alcançar 1 metro de comprimento -ela é uma das mais imponentes na história evolutiva de seu grupo.

O novo retrato da espécie, que inclui a primeira reconstrução virtual de seu cérebro, é fruto da pesquisa de mestrado da paleontóloga Emmanuelle Fontoura, da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul). Junto com seu orientador Leonardo Kerber e outros colegas, a pesquisadora submeteu dois crânios do A. ensenadensis a sessões de tomografia computadorizada.

A equipe também comparou as características cranianas e a estrutura cerebral do bicho com a de parentes atuais dele na América do Sul (como o veado-campeiro e o veado-bororó) e do hemisfério Norte (caso do cervo-nobre, comum na Europa e nos EUA).

Fontoura explica que as medidas do crânio costumam trazer estimativas relativamente confiáveis do tamanho corporal de uma espécie. Outra estrutura óssea muito usada para isso é o fêmur (osso da coxa), mas o problema é a dificuldade de saber quem é quem entre os cervídeos fósseis examinando apenas o esqueleto abaixo do pescoço. “No caso deles, o crânio e a galhada acabam sendo mais característicos e fáceis de identificar”, diz ela.

Em parte, faz sentido que o Antifer fosse tão grande quando se considera que a época geológica em que ele viveu, o Pleistoceno, foi o auge dos mamíferos de grande porte na América do Sul. Preguiças-gigantes, gonfotérios (parentes extintos dos elefantes), supertatus, dentes-de-sabre, ursos, lhamas e cavalos povoavam as áreas de vegetação aberta do continente.

É de se imaginar que o cervo tivesse adquirido tamanho mais avantajado tanto para competir com outros herbívoros como para se defender de predadores de grande porte. Além disso, lembra a pesquisadora, o clima mais frio do Pleistoceno também favorecia a evolução de estruturas corporais maiores (em geral, quanto maior o corpo de um animal, fica mais fácil minimizar a perda de calor do corpo).

De fato, o A. ensenadensis costuma ser encontrado em regiões mais frias, como o Sul do Brasil, e associado a ambientes com muita água, como banhados -outro fator em comum que ele tem com o cervo-do-pantanal de hoje.
No entanto, não é possível afirmar que o cervídeo pantaneiro é o parente vivo mais próximo do animal extinto. “A filogenia [“árvore genealógica” evolutiva] desses animais ainda é pouco compreendida, em parte porque se trata de um grupo que evoluiu muito rápido”, diz a paleontóloga.

Mesmo assim, é possível fazer algumas inferências sobre o comportamento da espécie do Pleistoceno, levando em conta o que se sabe sobre as galhadas dos demais cervídeos. Segundo Fontoura, dois fatores se complementam para explicar a evolução das grandes galhadas: elas podem ser um fator de atração de parceiras, sinalizando saúde e outras qualidades genéticas dos machos, e também são usadas como armas em combates entre os membros do sexo masculino (envolvendo, de novo, a disputa por fêmeas).

“Claro que é preciso um equilíbrio no desenvolvimento do animal, do contrário ele poderia desenvolver galhadas cujo peso ele nem conseguiria suportar”, explica. No caso do Antifer, esse processo ficou próximo de atingir seu ápice.
Já o cérebro do animal não era exatamente invejável. A relação entre o tamanho do órgão e o tamanho corporal da espécie está mais ou menos dentro do que se vê em cervídeos similares. Em geral, os animais maiores dentro do grupo tendem a carregar cérebros proporcionalmente menores, enquanto o tamanho cerebral dos veados de porte mais modesto é proporcionalmente maior.

A explicação mais provável é que as espécies de menor porte sofrem mais ameaças de predadores e competição com outros herbívoros, o que levaria à evolução de um cérebro maior.
O trabalho de Fontoura e seus colegas sobre o cérebro do cervídeo extinto foi publicado na revista especializada Journal of Morphology.

Por Reinaldo José Lopes