TCU questiona Aneel sobre benefício irregular dado à empresa da J&F
Decisão foi proferida em caráter cautelar
Órgãos reguladores estão debatendo o benefício excepcional concedido à Âmbar, empresa do grupo J&F, da família Batista, que também controla a companhia global de carnes JBS.
O TCU (Tribunal de Contas da União) interpelou oficialmente a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O jornal Folha de S.Paulo teve acesso ao pedido de informações.
O órgão de controle quer saber as razões que levaram a agência a permitir que quatro novas térmicas a gás da Âmbar, que estão com as obras atrasadas, sem entregar a energia no prazo estipulado em contrato, pudessem ser substituídas por outra usina, do mesmo grupo –uma tipo de troca que é expressamente proibida por uma cláusula do mesmo contrato.
Por causa dessa decisão, a Âmbar não paga uma multa mensal estimada pela própria agência em R$ 209 milhões e passou a ter direito de receber um pagamento de R$ 616,03 R$/MWh por mês.
No ofício em que pede explicações, o TCU também lembra que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico decidiu, em 6 de abril, suspender medidas excepcionais para o acionamento de térmicas, cuja energia é mais cara, e interpela se a agência considerou o impacto de sua decisão na conta de luz.
O TCU também quer saber porque o documento que trata dessa substituição para as térmicas do grupo J&F está em sigilo na agência, sem ter sido analisado pela área técnica ou pela procuradoria. O órgão regulador pede, inclusive, que a agência forneça o nome de quem determinou o sigilo, considerado incomum nesse tipo de procedimento.
O uso de uma térmica para operar como backup de usinas atrasadas foi aprovado em reunião de diretoria da Aneel em 17 de maio. O diretor relator, Efrain Pereira da Cruz autorizou que a térmica Mário Covas, localizada em Cuiabá (MT), com cerca de 20 anos de idade, cubra o atraso na construção de Edlux 10, EPP 2, EPP4 e Rio de Janeiro 1, projetos previstos para operaram no Rio de Janeiro.
A decisão foi proferida em caráter cautelar, ou seja, não é definitivo, mas libera a operação, suspendendo a multa, e autorizando os pagamentos.
Também participaram da reunião o diretor-geral substituto, Hélvio Neves Guerra, que presidiu os trabalhos, e o diretor Sandoval de Araújo Feitosa Neto.
Os diretores não consideraram a cláusula 4.4 do contrato que rege esses projetos e determina que “a energia definida no contrato não poderá ser entregue por outa usina do vendedor, por outro agente da CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica], nem pelo conjunto dos agentes em razão de operação otimizada do SIN [Sistema Interligado Nacional]”.
A própria agência foi responsável pelo leilão desses projetos, por delegação do MME (Ministério de Minas e Energia). O documento com essa regra estava anexado ao edital do leilão e tem logotipo da Aneel.
Essas quatro térmicas da Âmbar fazem fazer de um grupo de 14 empreendimentos a gás contratadas em outubro dentro de um novo sistema, o PCS (Procedimento Competitivo Simplificado). Naquele momento havia risco de racionamento, e o governo apoiou a contratação de novos projetos por um preço muito elevado, temendo um racionamento. Térmicas antigas não puderam entrar na disputa.
O valor médio no leilão foi de R$ 1.560 por MWh (megawatt-hora), mais de sete vezes o valor alcançado nos leilões semelhantes para o mercado regulado, que havia sido de R$ 210 por MWh em 2019. Hoje, no mercado a vista, que baliza o preço geral, a energia está custando em R$ 55 por Mwh.
No total, o leilão simplificado contratou 775,8 MW (megawatts) a um custo de R$ 39 bilhões. Toda a despesa vai para a conta de luz. As quatros usinas, agora em discussão, respondem por mais da metade desse total, 343,8 MW, a um custo de R$ 18 bilhões.
Pelo contrato, as 14 térmicas a gás deveriam entrar em operação em 1º de maio e ficarem ligadas ininterruptamente até o final de 2025, para permitirem que as hidrelétricas conseguissem guardar água em seus reservatórios.
No entanto, de lá para cá, ocorreram dois imprevistos.
As chuvas foram abundantes. Os reservatórios estão cheios, gerando energia barata. Ao mesmo tempo, a construção das térmicas atrasou. Uma parte deles terá dificuldades de entrar em operação antes de 1º de agosto, considerado o prazo limite, que permite, inclusive, o cancelamento do contrato.
O benefício excepcional dado aos projetos do grupo J&F causou indignação entre executivos do setor e até mesmo entre integrantes da área técnica da agência. Um superintendente chegou a confidenciar a colegas que não assinaria documentos que tratassem das térmicas da Âmbar.
A decisão foi considerada não apenas financeiramente irracional, com prejuízos para o consumidor. Quem acompanha a área de energia interpretou que uma quebra de contrato autorizada pelo próprio órgão regulador é um ato inédito, que abre perigoso precedente num setor onde legislações são seguidas a risca.
Algumas entidades entidades já haviam solicitado que as 14 térmicas a gás não fossem usadas.
No TCU, há uma solicitação para que as térmicas simplesmente não entrem em operação, pedido encaminhado pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). A entidade argumenta que a conta de luz já está muito alta, e essa energia cara é desnecessária.
Na Aneel, há um outro pedido, para que sejam canceladas as térmicas que não cumprirem o prazo contratual, encaminhado pela Abrace, que representa grandes consumidores de energia. Em anexo ao pedido, a entidade incluiu um levantamento, mostrando os atrasos no cronograma dessas usinas. Nele, as mais atrasadas, com risco de não saírem do papel até agosto, eram as quatro da Âmbar.
Em nota ao jornal Folha de S.Paulo, a Âmbar defendeu a substituição, destacando que as quatro térmicas serão integralmente entregues, dentro do prazo contratual, adicionando capacidade de geração ao sistema elétrico.
Apesar de o gás ser um combustível fóssil, com emissões que pioram o efeito estufa, a empresa afirmou que em comparação a outros combustíveis usados nas térmicas, há um ganho ambiental.
Também destacou que não está recebendo o valor cheio, previsto no contrato, quanto as térmicas não entram em operação.
“A proposta da companhia mantém a construção das novas usinas, já em andamento, além de reduzir a emissão de gás de efeito estufa em 15 vezes e beneficiar o consumidor em R$ 628 milhões em relação ao projeto inicial”, afirma nota da empresa.
Por Alexa Salomão