Um de cada cinco professores negros diz já ter sofrido racismo na escola – Mais Brasília
FolhaPress

Um de cada cinco professores negros diz já ter sofrido racismo na escola

Levantamento ouviu 285 docentes do ensino fundamental de 15 municípios

Nem a escola está imune ao racismo em uma sociedade racista. Uma pesquisa do Datafolha sobre preconceito no ambiente educacional encomendada pela Associação Mulheres Pela Paz mostrou que ao menos um em cada cinco professores negros da rede pública paulista diz já ter sofrido discriminação racial.

O levantamento ouviu 285 docentes de ensino fundamental de 15 municípios do estado entre os dias 26 de julho e 18 de agosto.

As entrevistas foram feitas por telefone ou videochamada a partir de lista de contatos fornecida pela associação em parceria com a Apeoesp, o sindicato de professores das escolas estaduais de São Paulo.

A margem de erro é de seis pontos percentuais para mais ou para menos no caso do total da amostra e de dez para o conjunto de educadores que se declaram pretos ou pardos.
Do total dos que compõem esse grupo, 31% relataram já ter sofrido discriminaçao racial, ante 1% dos brancos.

Considerando-se todos os entrevistados, depois do racismo, em segundo lugar entre os preconceitos relatados com mais frequência contra os professores aparece a gordofobia (6%), seguida por discriminação por aparência ou condição física (5%).

Racismo e gordofobia são também os atos discriminatórios que mais docentes relatam ver sempre nas escolas –25% e 23%, respectivamente. Em seguida, vem a homofobia (19%).

Como era de se esperar, o preconceito tem consequências graves. Mais da metade (53%) dos profissionais de educação entrevistados relatam saber de algum aluno que já deixou a escola em decorrência disso, e 42% afirmam que o mesmo já aconteceu com um colega professor.

Diretora-executiva da Associação Mulheres Pela Paz, Vera Vieira ressalta que a escola não deve ser a única responsável por combater o preconceito na sociedade, mas destaca o papel fundamental da instituição nesse processo.

“A escola pode ser um espaço privilegiado para desconstruir estereótipos que as crianças e adolescentes trazem de outros espaços, como a família, a mídia e a igreja”, diz.
A importância dos educadores nesse processo contrasta com a falta de apoio a eles mostrada pela pesquisa.

Do total de entrevistados, 39% afirmam que nunca participaram de uma formação voltada a como lidar com atos discriminatórios em sala de aula.
E os dados mostram que há lacunas de informação sobre o tema. Se 82% dos entrevistados dizem conhecer e estar bem informados sobre o termo homofobia, e 70% sobre racismo estrutural, só 41% dizem o mesmo sobre transfobia, e 38% a respeito de sexismo.

Mais da metade (57%) afirma que não há na principal escola onde atuam um profissional específico designado para atender vítimas de preconceito.
Negra e professora há mais de 30 anos, Rosemeire Martins, 53, lista diversas situações ao falar de sua experiência com racismo no ambiente escolar.

Certa vez, ela observava um grupo de crianças quando uma delas se assustou e disse: “professora, ela [colega] falou que a senhora é uma macaca”.
“Chamamos a família, que ficou com muita vergonha e pediu desculpas”, relata. Por ter acontecido com uma criança, o caso marcou muito, mas não foi o único.

“O racismo está sempre lá, contido”, afirma ela, que cita outros casos em que foi vítima ou presenciou atos de discrminação. Como quando uma colega lhe disse que nunca casaria com um homem negro, ou quando o estagiário comentou que alguém era “pretinho, mas legal”.

A situação ficou mais tensa certa vez quando uma mãe acusou Rosemeire de praticar racismo contra seu filho branco ao supostamente não deixá-lo brincar.
A mãe foi desmentida por câmeras de segurança, que mostraram a professora incentivando o aluno a participar da brincadeira. Ainda assim, não houve pedido de desculpas.

Os atos velados a fazem lembrar de sua época de escola, em que não sofria um racismo escancarado, mas sentia-se deixada de lado, algo que só veio a entender depois.
Nem tudo, no entanto, é má notícia. Desde 2003, o Brasil tem uma lei que coloca no currículo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana.

A rede municipal de São Paulo é uma das que de fato colocou a norma em prática, com formação, livros e atividades relacionadas ao tema
Neste momento, a escola onde Rosemeire trabalha, na região de Guaianases, extremo leste de São Paulo, trabalha com conto de fadas com personagens negros.

“Quando a gente trabalha com a história, o lúdico, o imaginário, crianças negras se veem representadas, e já dá para sentir a diferença que isso faz”, diz.

Texto: Ângela Pinho