Justiça condena DF a indenizar moradores de rua retirados do Setor Comercial Sul

Ação foi movida pelo Instituto Cultural e Social No Setor e pelas vítimas atingidas pela ação do DF Legal em conjunto com a PMDF

A juíza da 8ª Vara da Fazenda Pública do DF condenou o Distrito Federal ao pagamento de danos materiais, morais e danos morais coletivos cometidos contra moradores em situação de rua que foram retirados do Setor Comercial Sul, bem como tiveram seus pertences subtraídos, em julho de 2021. O réu deve, ainda, abster-se de realizar nova operação nesse sentido, sem previsão legal e sem a emissão de auto de apreensão, sob pena de multa de R$ 15 mil por cada descumprimento.

A ação foi movida pelo Instituto Cultural e Social No Setor e por moradores em situação de rua atingidos pela ação do DF Legal em conjunto com a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), em 28 de julho de 2021.

Os autores informaram à Justiça que não houve notificação prévia, mandado judicial, auto de apreensão, tão pouco listagem dos bens recolhidos. Eles relatam que a abordagem foi feita sem a presença de assistente social ou órgão de assistência social e sem qualquer respeito à dignidade dos autores, como prevê a Recomendação 3/2021 do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

Ponderam que a operação ocorreu durante a pandemia de Covid-19 e agravou ainda mais a situação de vulnerabilidade dos autores, que perderam documentos, roupas, medicamentos, cobertores, colchões e comidas, entre outros itens. Destacam que a Administração Pública ignorou as baixas temperaturas, na faixa entre 6°C e 8°C durante a noite naquele período, e que a ação potencializaria os riscos à saúde e até mesmo morte por hipotermia das pessoas atingidas.

Em decisão liminar anterior, a Vara determinou o pagamento de multa de R$ 10 mil, após abordagem descrita como “desumana de pessoa idosa em situação de rua”, em 24 de janeiro de 2022, novamente em desobediência à Recomendação 3/2021 do MPDFT. A norma prevê que agentes públicos distritais, no exercício de suas atribuições, devem primar pela urbanidade e absoluto respeito à dignidade da pessoa humana.

Outro lado

O DF afirmou que é “ilegal a privatização das áreas públicas” e que os autores ocuparam privativamente os bens públicos depositando pertences pessoais como se os imóveis fossem de sua propriedade, impedindo a livre fruição por outros membros da sociedade. Declara que os autores não detalharam onde estavam os documentos que teriam sido apreendidos e reforçam que só retiraram lixos e bens inservíveis. Ressaltam que os direitos fundamentais não são absolutos e que não houve arbitrariedade administrativa na ação.

“Fica aqui o questionamento: por que essas ações destinadas a retirar essas pessoas da rua só ocorre em regiões nobres da cidade, deixando escancarada a segregação das pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social”, avaliou a magistrada.

Em sua análise, a magistrada observou que as pessoas em situação de rua não se encontram nesta condição por opção ou por serem preguiçosos, “ninguém vai optar por viver em condições indignas e subumanas e até mesmo a passar fome; estão nesta condição justamente por falta de opção, por falta de emprego e de moradia e, principalmente, por falta de políticas públicas eficientes e realmente comprometidas com a redução da desigualdade social”.

Segundo a juíza, não é aceitável argumentos como os do réu de que os autores querem privatizar área pública e adotá-las como moradia. A sentença reforça, ainda, que, por estarem em situação de vulnerabilidade, os autores deveriam receber uma proteção maior do Estado e não ter seus direitos e garantias individuais desrespeitados. “A prova produzida nos autos demonstra que a operação comandada e executada pelo réu foi arbitrária, desumana e em total desrespeito aos direitos fundamentais dos autores, especialmente à dignidade da pessoa humana, portanto, trata-se de ato ilícito, ficando evidenciada a obrigação do réu em reparar e indenizar o dano causado”.

Condenação

Ao estipular a indenização a ser paga, a juíza verificou que o valor sugerido pelas vítimas não foi impugnado pelo DF, portanto, deverá prevalecer. No entanto, esse valor não é devido ao Instituto No Setor, parte que figura na ação apenas como substituto processual dos demais autores.

No que se refere ao dano moral coletivo, a magistrada explicou que ocorre quando há uma lesão psicofísica à coletividade, cujo ato seja capaz de causar um dano, ainda que potencial, à coletividade. No caso do processo, constatou-se que o próprio Estado desrespeita direitos fundamentais, privando pessoas de algo inferior ao mínimo existencial, atitude que gera lesão à sociedade como um todo e não apenas as pessoas em situação de rua, pois gera insegurança física, psicológica e jurídica, além de desconfiança em relação ao Poder Público e o cumprimento dos princípios constitucionais.

Dessa forma, as indenizações foram fixadas em R$ 3 mil, em danos materiais, para cada um dos autores, com exceção do Instituto No Setor. O dano moral foi de R$ 40 mil e o dano moral coletivo de R$ 1 milhão. A sentença não identifica necessidade de fundo próprio para gerir o valor, mas o Instituto deverá prestar contas da utilização dos recursos e tais ações serão fiscalizadas pelo Ministério Público.

Cabe recurso da decisão.

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