Mulheres inspiradoras: a trajetória de vida de Eda Machado, fundadora do IESB – Mais Brasília
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Mulheres inspiradoras: a trajetória de vida de Eda Machado, fundadora do IESB

Para a empresária, a educação está em primeiro lugar

Foto: Celso Junior/Reprodução

A primeira vez que foi taxada de subversiva, Eda ainda morava em Arapoangas, interior do Paraná. Mesmo  lecionando concursada pelo estado, a jovem foi humilhada um político influente da região que a mandou reescrever um artigo sob pena de ser demitida.

A segunda vez em que foi taxada de subversiva, já Eda morava em Brasília e lecionava na UnB.  À época, ela acabou demitida junto a outros 27 professores por ousarem tentar implementar senso crítico à universidade.

Hoje, aos 84 anos, Eda Coutinho Machado, a fundadora do IESB (Instituição do Ensino Superior de Brasília), narra com gratidão todas as passagens difíceis e os momentos de ‘sorte’ que teve ao longo de sua trajetória de vida para estudar, trabalhar e empreender na área da educação.

Questionada acerca de um conselho que daria às jovens mulheres atuais, Eda não hesita: “Eu diria a elas que realmente pensem o que elas querem para a vida. As mulheres não deveriam nunca mais ter aquela ideia, que havia no passado, de que se elas se casassem com homens ricos, a vida delas estaria arrumada. Mulheres não devem esperar nada de maridos, para elas terem independência financeira, elas precisam se esforçar”.

Quem a ouve, altiva, sequer imagina como foi o início da vida dela.

“Quando eu me casei, a cultura do Brasil era muito esquisita. Todo mundo desconfiava das mulheres, a mulher não podia viajar sozinha, tinha que levar marido. A mulher não podia nem sentar em uma mesa sozinha. Ao meu ver, essa mudança foi de responsabilidade da educação que foi se implementando no Brasil e das diferentes culturas que as universidades passaram a ter nos seus respectivos campi. As universidades impactaram muito para que essas mudanças ocorressem. Mas não foram somente as universidades”, narra a jovem professora que virou empresária bem sucedida.

Eda veio para Brasília aos 26 anos. Ela nasceu Arapongas, interior do Paraná. Lá, aos 17 anos, ela começou a lecionar em um grupo escolar. Num determinado momento, o prefeito da cidade quis criar uma biblioteca pública municipal e a convidou para ser a diretora da biblioteca. Instigada pela novidade, ela tomou para si a empreitada e viajou para Campinas, para um estágio em que aprendeu como as bibliotecas funcionavam.

Depois, prestou um concurso, passou e foi lecionar em uma outra cidadezinha também no interior do estado. Ela escrevia colunas em jornais locais e um dos artigos que escreveu custou-lhe uma reprimenda de um político influente. Ele a chamou e a intimou: ‘Ou reescreve o artigo, ou está demitida’.

“Eu disse que não iria reescrever, até poderia estar pensando diferente daquela época, mas eu não iria reescrever”, conta a fundadora do IESB.

Nessa época, antigos chefes de Eda tinham-se mudado para Brasília e trabalhavam no Ministério de Educação. Um dele, o professor José Aloísio Aragão, coordenava uma escola no campus da UnB, ao lado atual prédio o HUB. Ela veio para Brasília e formou-se em Pedagogia, na UnB.

“Ele me convidou para vir trabalhar em Brasília. Eu aceitei o convite, foi uma experiência maravilhosa na minha vida. Muitas das coisas que eu faço aqui hoje eu vejo que eu vou buscar inspiração nas experiências que vivi naquela época, em 1966, 1970”.

Mas em 1971, veio uma surpresa desagradável. A demissão da UnB. Eda tinha regressado das férias, estava viúva do primeiro casamento, com uma filha pequena para criar.

“Nós todos fomos demitidos. A alegação que estava por trás de nossas demissões era que o nosso centro de professores era subversivo. Nós não éramos subversivos, o que queríamos era que houve um processo crítico, uma análise crítica de tudo o que fosse  passado aos alunos.

No mesmo dia em que foi demitida, ela recebeu uma bolsa de estudos para um mestrado no exterior. A bolsa era entre o Ministério da Educação e o governo americano, ofertada por uma fundação cujo interesse era alavancar o ensino-aprendizagem em países em desenvolvimento.

Apesar de não ser fluente em inglês, Eda aceitou de imediato. A barreira linguística não a desestimulou. Eda colocava fitas cassetes com diálogos em inglês para tocar durante o banho, pedia ajuda aos amigos e aprendeu o idioma. Uma das coordenadoras do programa aqui no Brasil solicitou à chefia do programa de mestrado nos EUA que mandassem Eda uns meses antes de as aulas começarem, para que ela adquirisse fluência em inglês.

“Fui para a Universidade Estadual da Pensilvânia, fiz meu mestrado em um ano. Meu orientador quis que eu ficasse para fazer o doutorado. Acabei ficando. Minha filha tinha apenas 10 anos. Eu tinha quatro anos para fazer o doutorado, mas terminei em dois anos. Porque eu tinha que voltar para o Brasil para lecionar na Unicamp, onde eu já estava contratada. Mas eu adoeci, peguei tuberculose.”

Naquela época, década de 80, ao regressar do exterior, o país precisava muito de assessoria externa de outros países. Instituições como a Embrapa, por exemplo, foram criadas assim, para prestar assessorias. Eda ficou na Unicamp durante quatro anos e fez duas de suas pesquisas por lá. O governo brasileiro procurava líderes para orientar professores a melhorar o ensino nas universidades, auxiliando assim o desenvolvimento do país.

Fundar o IESB foi outra luta na vida de Eda Coutinho Machado. Hoje o empreendimento educacional conta com três campi e nove mil alunos. Mas poucos sabem que a Universidade iniciou-se lá em 1998, em salas alugadas na 902 Sul. Pouco tempo depois, o proprietário do imóvel solicitou a empresária que saísse do prédio.

“À época, eu tive uma dificuldade muito grande para mudar de local, nós não tínhamos dinheiro e nem local.

Em meio às dificuldade e à procura, um consultor imobiliário a aconselhou a pedir ajuda ao Padre Pedrosa, da Província do Verbo Divino, que fica sediada em Belo Horizonte, sugerindo que o padre desse como garantia ao banco, o terreno vazio onde hoje atualmente funciona o IESB, na 609 Norte. A empresária, porém, não tinha dinheiro para fazer o empréstimo no banco e começar a construir, sequer era uma mulher de negócios.

Aprendeu fazendo. Adquiriu experiência em anos trabalhando no Ministério da Educação, em que discutia projetos para melhoria do ensino nas universidades. No MEC, participava de eventos nas universidade em que averiguava como o dinheiro repassado pela CAPES aos para os projetos era administrado.

“Se fôssemos analisar tanto vale o terreno hoje, com os 4 prédios, foi uma aventura fabulosa para a época. O padre não me conhecia ainda. Mas eu fui para Belo Horizonte. Durante a conversa, o padre topou. Pedi cinco anos de carência. Ele me deu somente oito meses. Naquele momento, não deixei nem os advogados falarem. Em uma segunda conversa, eu pedi para o padre adiar um pouco o prazo. O fato é que eu não olhei para este problema, eu olhei para a minha situação, eu tinha que sobreviver e construir estes prédios. Acho que numa negociação você tem que arriscar.”

Para a empresária, a educação está em primeiro lugar. “Tem que começar no início, quando a criança é bem pequenininha”. Se fosse parlamentar e tivesse o poder de modificar a legislação, a prioridade de Eda seriam as creches e a educação infantil.

Com a mesma tranquilidade com que narra o sucesso profissional, Eda relata questões íntimas.

“A gente acha que pode ser uma mulher-maravilha e às vezes a gente acha que é, mas gente não é. A coisa mais importante deste mundo, pra mim, é a família. Mas eu não consegui conciliar a vida profissional com a vida familiar, eu lamento muito, mas eu não consegui. Tem mulheres que são poderosas e que conseguem conciliar a vida profissional com a vida familiar, mas eu não consegui”.

Aos 84 anos, Eda se questiona:

“Como eu seria se eu não tivesse percorrido o mesmo caminho que percorri? Talvez minha vida fosse diferente. Acredito que não seria o que sou se não tivesse percorrido o mesmo caminho, tido os mesmos pais, a mesma família, e frequentado as mesmas escolas, com os professores que foram meus mestres. Reconheço que muitos anjos da guarda me ajudaram e me protegeram ao longo da minha história, além do Divino Espírito Santo, que iluminou meus passos e meu caminho. Muitas vezes eu pensei, o que teria ocorrido em minha vida se as pessoas que eu encontrei fossem diferentes, se a universidade que eu estudei fosse diferente, eu não tivesse feito meu pós doutorado de Berlim, na Alemanha; se eu não tivesse viajado pelo mundo inteiro, visto todas as inovações que tinham nas universidades, como seria minha vida, se eu não tivesse vivido tudo isso?”

Porém, sobre as conquistas da mulher neste mundo atual, a fundadora do IESB, é objetiva:

“Conforme os anos se passaram, as mulheres foram tomando consciência de que estava nas mãos delas fazerem as mudanças e de que elas não deviam deixar para os homens este papel da mudança. Foi uma conquista muito grande essa transformação da mulher de uma pessoa indefesa, que não tinha vontade própria, que sofria muito e o que nós temos hoje. Hoje as mulheres são autônomas, independentes, livres e podem determinar os seus próprios destinos.”