No DF, criança diagnosticada com síndrome grave reage bem a transplante de medula – Mais Brasília
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No DF, criança diagnosticada com síndrome grave reage bem a transplante de medula

Procedimento foi realizado em menino de três meses de idade que já poderá passar o Natal em casa, com a família

Foto: Divulgação/HCB

O Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB) realizou o primeiro transplante de medula óssea para tratamento de criança diagnosticada, ainda na triagem neonatal, com a síndrome da imunodeficiência combinada grave (Scid, na sigla em inglês). Miguel de Sousa foi encaminhado ao HCB depois que o hospital recebeu o resultado do teste do pezinho do menino e, aos três meses de idade, ele passou pelo procedimento. A confirmação de que o organismo aceitou o novo órgão se deu quase um mês após o transplante, realizado em novembro.

Morador do Riacho Fundo, Miguel nasceu no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) em agosto e passou pela coleta do exame de triagem neonatal. Uma vez identificada a Scid, o HCB entrou em contato com os pais da criança, Nara Rodrigues e Francisco Fagner de Sousa. “Ele nasceu superbem, fiquei até impressionada; ele era todo esperto, com o peso bom”, conta a mãe do menino.

O procedimento

“Recebemos essa criança em nosso serviço de imunologia e encaminhamos ao nosso Laboratório de Pesquisa Translacional, que tem a capacidade para fazer o exame confirmatório”, relata a alergista e imunologista Cláudia Valente, do HCB. “Com o resultado, acionamos a equipe do transplante de medula óssea, que é o tratamento indicado em casos dessa síndrome.”

A notícia do diagnóstico preocupou a família. “Fiquei muito mal e comecei a pesquisar, porque eu nunca tinha ouvido falar disso”, lembra Nara. “Ficamos internados, ele recebeu imunoglobulina e cortaram a amamentação”. Em outubro, após um período de tratamento ambulatorial, o bebê precisou ser internado. A família – Miguel tem um irmão mais velho, Pedro, de 8 anos – passou por testes de compatibilidade para doar a medula, e o pai foi o escolhido. “Fiquei feliz demais em poder doar”, conta Francisco. “Desde o início eu já falava que, se todos fôssemos compatíveis da mesma forma, eu é que doaria”.

Para o procedimento cirúrgico, Miguel precisou passar por quimioterapia. “O tratamento serve para matar a medula dele, que não produz linfócitos, abrindo o espaço para a outra medula”, explica a coordenadora de transplantes de medula óssea do HCB, Simone Franco.

Imunodeficiência

A síndrome da imunodeficiência combinada grave é uma doença genética em que há alteração dos linfócitos (grupo de células que faz parte do sistema de defesa do organismo), de modo que a criança não produz anticorpos e fica sem imunidade. “O bebê fica bem por um período, enquanto ainda tem células de defesa da mãe, mas o tempo ótimo do transplante é de até três meses”, lembra Cláudia Valente. “Sem isso, ele passa por infecções gravíssimas, meningite, septicemia – se não for transplantado, vem a óbito”.

No caso de Miguel, a detecção da doença ainda no teste do pezinho foi decisiva. “Na primeira consulta, o pessoal da oncologia falou que, como ele estava saudável e descobriram a doença com ele muito novo, havia muitas chances de dar tudo certo”, relata Francisco. Enquanto o filho mais novo passava pela quimioterapia, o pai ficou em casa cuidando do mais velho, que só via o irmão por videochamadas.

Os profissionais do Hospital da Criança de Brasília coletaram a medula de Francisco e a infundiram no bebê. Depois, o menino seguiu internado. “A equipe verificava se Miguel teria febre ou diarreia, mas ele não teve nada disso, nenhuma intercorrência – ele está sempre sorrindo”, conta Nara, que seguiu acompanhando o filho até a confirmação de que medula não foi rejeitada pelo organismo. “O irmão dele estava ansioso. Na primeira vez que ele foi internado, quando chegamos do hospital, o Pedro até chorou. Ele ama o irmão”.

Cuidados pós-transplante

Miguel seguirá em isolamento, em casa, até que possa tomar vacinas. “Por mais ou menos seis meses, não vamos receber visitas; também precisamos de máscaras e vamos evitar, ao máximo, sair”, conta Nara. O bebê seguirá acompanhado pelo HCB durante um ano, de forma ambulatorial. Já a equipe de imunologia do hospital o acompanhará até que ele atinja a idade em que será transferido para o atendimento de adultos.

“Acho que agora é questão de tempo para poder abraçar, apertar, beijar, porque não pude fazer nada disso”, afirma Nara. Francisco já espera o momento de ver o filho em uma vida comum, como as outras crianças: “Quero levar ele para todo canto, para ele brincar, se sujar, até para brigar com o irmão e eu precisar repreender. Quero que ele tenha uma infância feliz, como eu tive”.

Teste do pezinho

A síndrome da imunodeficiência combinada grave foi incluída na triagem neonatal este ano, quando o teste do pezinho passou por ampliação – além da Scid, mais de 50 outras doenças podem ser  detectadas pelo teste. Miguel foi o primeiro bebê com a síndrome a receber o diagnóstico pela triagem.

Após o teste do pezinho, feito pelo SUS, e a coleta do exame no Hmib, o material foi analisado pelo Hospital de Apoio de Brasília, que logo informou o HCB – referência pública para o tratamento nesse caso. A diretora técnica do HCB, Isis Magalhães, ressalta “o pioneirismo da Secretaria de Saúde de colocar, no teste do pezinho, uma doença em que as crianças, quando não diagnosticadas precocemente, têm expectativa de morte precoce, por infecção”.

A médica Simone Franco, por sua vez, explica o impacto de um diagnóstico tão precoce para o tratamento da Scid: “É uma criança sem tantas comorbidades, sem ter contraído várias infecções. A triagem neonatal nos possibilita fazer o transplante em uma criança que ainda não teve manifestação da imunossupressão grave que eles apresentam; isso é importante para a melhora da sobrevida”.

Embora seja o primeiro caso de Scid detectado na triagem neonatal, essa não é a primeira vez que o HCB executa um transplante de medula óssea para tratar essa síndrome. Em 2020, o hospital recebeu uma autorização especial do Ministério da Saúde para que o procedimento fosse realizado –  na ocasião, tratava-se de um menino de 10 meses de idade.