'King Kong en Asunción' segue um velho matador agora condenado a viver – Mais Brasília
FolhaPress

‘King Kong en Asunción’ segue um velho matador agora condenado a viver

Belas paisagens em longa de Camilo Cavalcante mostram como a eternidade contempla a precária existência do homem

Foto: Reprodução

É bem indireta a forma como Camilo Cavalcante aborda seu tema em “King Kong en Asunción”. Ele nos fala, em princípio, de um velho -aliás, o Velho, o lento, implacável, fatigado matador profissional. Ele agora se aposenta. Mas o que tem ao se aposentar? Basicamente, a solidão. O encontro fortuito com um antigo amigo, uma ou outra bebedeira com prostitutas, é mais ou menos tudo.

Resta a ele carregar o rosto tão cansado quanto pesa o corpo. A o ajudar existem as belas locações na Bolívia e no Paraguai que o filme explora. Admitamos -as paisagens não o ajudam, mas ajudam o espectador. Nos ajudam sobretudo a acompanhar a poética voz over que acompanha o velho em sua trajetória.

Por vezes ele parece chegar a um destino -o reencontro com a única mulher que parece ter amado na vida, que deu a ele uma filha. São os elos muito frágeis que o ligam a algo, pois o dinheiro das matanças serve para sobreviver. Mas não. Não será esse o encontro fundamental. Ele parece só existir em sua imaginação, ou em seus desejos. As coisas passam diante dele como os cadáveres que parecem pesar em seus ombros.

Apenas em uma cena se revela o verdadeiro móvel do filme -quando, após receber uma bolada, ele se hospeda em um belo hotel, em cujo belo quarto se encontra uma meia dúzia de retratos de presidentes latino-americanos (entre eles, Collor e Temer, representando o Brasil, país do velho matador). O Velho os arranca da parede, um a um, e joga todos no chão, fazendo uma pilha sem forma, um empilhamento ao acaso.

Está dito o essencial -o que está em questão para este “King Kong” é o poder. Algo mais (pouco) saberemos sobre o Velho ao longo do filme, sobretudo graças a uma bela fusão de imagens que convém não antecipar o que mostram. Em todo caso, elas significam tudo o que o filme busca mostrar através do corpo desse homem fatigado, mas também dos lugares que frequenta.

Entre eles, um bar de beira de estrada em que recebe a visita de um jovem razoavelmente engomadinho que traz a ele uma bolsa bem carregada. Ou seja, o poder tem esse agregado indispensável, o dinheiro.

No mais, os lugares que o velho frequenta são, basicamente, prostíbulos, sejam eles de beira de estrada ou beira de cassinos. Nem são tantos assim. Nisso, pode escapar a boa conversa com a mulher que mantém um pequeno restaurante. Mas é basicamente isso -é uma experiência do submundo a partir de dados mínimos, pelas bordas.

Porque o velho é, de algum modo, um condenado à vida -esse é o seu segredo, esse é o mistério que carrega. Olhar seus olhos, seus movimentos lentos, seu corpo pesado, é a única maneira que o filme nos proporciona conhecer o monstro e sua trajetória de morto-vivo.

Essa narrativa indireta é talvez o principal encanto de “King Kong en Asunción”, sem esquecer, claro, as belas paisagens. É de lá que, parece, a eternidade contempla a precária existência do homem.

Por fim, convém lembrar que, apesar das aparências, o filme vem de Pernambuco, onde parece que não param de surgir bons diretores de cinema.

KING KONG EN ASUNCIÓN
Quando Estreia nos cinemas nesta quinta (2/9)
Classificação 16 anos
Elenco Andrade Júnior, Ana Ivanova, Juan Carlos Aduviri
Produção Brasil, 2020
Direção Camilo Cavalcante
Avaliação Muito bom

Por Inácio Araújo