Filme narra ascensão de Bolsonaro e facada pela ótica conservadora
'Nem Tudo se Desfaz', de Josias Teófilo, percorre a última década, passando por impeachment de Dilma e a Lava Jato
“Nem tudo se desfaz, anda em tudo um resquício.” A frase do poeta Bruno Tolentino, morto em 2007, é geralmente vista como um contraponto à máxima marxista de que “tudo que é sólido desmancha no ar”.
Ela também foi apropriada pelo cineasta pernambucano Josias Teófilo para dar nome a seu novo documentário, que estreou nesta segunda-feira numa sessão especial em São Paulo com a presença de diversos expoentes do bolsonarismo.
“Nem Tudo se Desfaz” é uma expressão que resume bem a tentativa de explicar a frenética década passada como sendo um arco histórico, que vai dos protestos pelo passe livre, em junho de 2013, até a posse de Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019.
Fazem parte desse período de cinco anos e meio eventos como a Lava Jato, o surgimento da nova direita, o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula e a ascensão de Bolsonaro, com direito a facada no meio do caminho. Não é absurdo imaginar tudo isso num único enredo relativamente coeso.
Com depoimentos e imagens de arquivo, o documentário apresenta os fatos de maneira cronológica, embora haja desvios abruptos para tratar de temas como a força dos evangélicos ou a trajetória pessoal de Bolsonaro.
Teófilo é um admirador de Olavo de Carvalho e lançou em 2017 “O Jardim das Aflições”, sobre a vida e as ideias do filósofo. O guru aparece fartamente na nova produção, incluindo numa sequência de palavrões desferidos por ele contra o PT em suas lives, que acaba sendo um dos momentos cômicos do filme.
Conservador assumido, Teófilo usa como fio condutor uma tese controversa e bastante explorada pela direita, a de que a disfuncionalidade da política brasileira é filha direta da Constituição de 1988, com seus muitos direitos, poucos deveres e incentivo ao gigantismo estatal.
Essa situação insustentável teria levado à explosão social de 2013, numa rara manifestação popular espontânea fora do controle de partidos, sindicatos e movimentos de esquerda. A tampa da direita estava aberta.
Apesar do viés, não se trata de um panfleto. Teófilo inclui entre seus entrevistados algumas figuras que não habitam o universo bolsolavista, e mostra em tom crítico vídeos com algumas das declarações mais grotescas do atual presidente ao longo das últimas décadas.
Também registra claramente que a esquerda foi vítima de fake news, como no famoso episódio da “mamadeira de piroca” da campanha de 2018, e que Dilma sofreu com a “pauta-bomba” na Câmara criada por seu algoz Eduardo Cunha.
Imagens noturnas de cidades, registros de filmes do início do século 20, narração em tom grave e trilha sonora que mistura piano e o órgão de um mosteiro são mesclados com vídeos mais recentes, contribuindo para o tom solene da produção.
Um aspecto bastante presente é a discussão do papel das redes sociais no discurso político da última década, especialmente do meme, que estaria para o ciberespaço “como o gene está para a genética”. Teófilo resgata a criação da página Bolsonaro Zuero, a primeira a celebrizar memes do atual presidente com faixa verde e amarela, óculos escuros e trilha sonora.
Foi o embrião da estética “opressora”, presente até hoje em sites, vídeos de TikTok e camisetas de apoiadores do presidente. E também a origem do chamado “gabinete do ódio”, instalado no Palácio do Planalto, com figuras que orbitam em torno do vereador Carlos Bolsonaro.
Vem de um depoimento do filho “zero dois” do presidente o ponto mais forte do filme, em que ele relata os momentos seguintes à facada em seu pai, em Juiz de Fora, em Minas Gerais, durante a campanha presidencial. Normalmente avesso a entrevistas, Carlos se abriu para Teófilo e chega engasgar a voz, emocionado. “Eu vi meu pai caído num bar”, relembra.
“A gente pedia para ele dar uma nota de como estava, ele dizia cinco, seis, sete, estava quente ainda. Quando chegou na Santa Casa, ele começou a esfriar. Urrava de dor, falava da filha o tempo todo. Pensei ‘será que meu pai vai [morrer]?'”, prossegue, com dificuldade para falar.
O filme, num primeiro momento, será mostrado em sessões especiais, como a ocorrida em São Paulo. Já estão confirmadas exibições no Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza, Belém, Recife e Blumenau, em Santa Catarina, e a lista deve crescer. Até o final do ano, o documentário entra também no site oficial do filme -nemtudosedesfaz.com- e em serviços de streaming.
NEM TUDO SE DESFAZ
Quando Entre quinta (23) e 14 de outubro
Onde Sessões no Rio de Janeiro, Blumenau (SC), Porto Alegre, Belém, Recife, Belo Horizonte, Curitiba e Fortaleza
Preço Ingressos em nemtudosedesfaz.com
Classificação 14 anos
Produção Brasil, 2021
Direção Josias Teófilo
Avaliação Bom
Por Fábio Zanini