Selva Almada lança mão da poesia para emular o fluxo de um rio em novo livro

Romance fecha trinca de obras sobre a masculinidade da autora de 'Garotas Mortas'

“Não É um Rio”, da escritora argentina Selva Almada, é um livro escrito mais de uma vez. Seu primeiro rascunho trazia, por meio de uma prosa mais convencional, a história de um lugar interiorano, à beira de um rio, em que personagens machucados pela vida conviviam.

Almada não ficou contente com o resultado, não pela história em si, mas pelo tom. E o alterou. “Retomei a escritura da mesma trama, mas busquei que tivesse uma cadência poética mais marcada, e que levasse a uma fluência de leitura que emulasse a ideia dos caminhos de um rio”, conta ela.

Curto e sem divisões de capitulos, tem a intenção de ser lido de uma só vez, como o rápido fluxo de um rio. “Meu sonho era que o leitor lesse tudo em voz alta”, confessa, rindo. O resultado final é a edição que a Todavia lança agora no Brasil, e que foi recebida pela crítica argentina e dos países de língua hispânica como o livro mais poético da autora.

Tudo começa numa cena silenciosa, em que três homens, um deles, filho de um dos amigos que morreu afogado, pescam juntos numa ilha. “A pesca é uma atividade silenciosa, e é um bom espaço para estudar esses silêncios que marcam as relações e as amizades entre homens”, diz a escritora. O volume também fecha a chamada “trilogia masculina” de Almada, formada ainda por seus dois romances prévios, “O Vento que Arrasa”, de 2012, e “Ladrilleros”, de 2013. “Me dei conta de que era uma trilogia por causa da recorrência dos assuntos relacionados ao universo masculino. Agora, espero me dedicar a outros temas.”

Um dos que ela trabalhou nos últimos anos foi a questão de gênero. Na não ficção “Garotas Mortas”, de 2014, conta a história de três assassinatos de mulheres famosos na época em que ela era criança e adolescente, no interior do país. Depois disso, Almada, ainda que com seu jeito sério e discreto, foi uma voz ativa no movimento pela aprovação da lei do aborto na Argentina, que ocorreu em dezembro do ano passado.

“Personagens relacionados à luta das mulheres aparecem muito no meu trabalho. Em ‘Não É Um Rio’ está a figura materna que sempre é interessante retratar, por causa da especificidade que têm a maternidade na história argentina. As mães dos filhos desaparecidos na ditadura, as mães que buscam, as mães que perdem os filhos por causa da violência.”

Entre o coro de mulheres, estão Siomara, uma mulher que perdeu suas filhas, e outras mulheres que criam sozinhas seus filhos. “Não há maneira que meus personagens femininos não exponham algo do que estamos vivendo nos dias de hoje na luta feminista na Argentina.”

Em “Não É um Rio”, estão presentes, como nos dois livros anteriores, as famílias disfuncionais, desmembradas ou compostas a partir da combinação de grupos familiares. “Gosto de trabalhar com esse tema, porque é quase automático que certa literatura parta do princípio de que a maioria das famílias é como na TV e na publicidade. Mas não é, especialmente entre as classes mais humildes e no interior da Argentina. Família é um grupo menos uniforme do que estamos acostumados a imaginar”, diz.

Almada fala com certo orgulho da ruralidade de seus livros. “O universo do campo está ganhando de novo um espaço na literatura argentina, que já foi intenso no século 19. No século 20, houve mais de uma geração que trabalhou com temas das cidades, da política. Agora, há um retorno aos assuntos e à linguagem do campo, até porque temos mais editoras locais e se publica mais”, afirma Almada, que nasceu em Entre Ríos e gosta de viajar aos rincões do país atrás de suas histórias.

Um exemplo disso é “O Vento que Arrasa”, que ocorre num lugar mais árido, inóspito, no sul do país. “Esta novela agora é mais próxima à natureza em que eu cresci, de florestas e de umidade.”

NÃO É UM RIO
Preço: R$ 49,50 (96 págs.); R$ 34,90 (ebook)
Autora: Selva Almada
Editora: Todavia
Tradução: Samuel Titan Jr.

Por Sylvia Colombo

 

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