Inflação se espalha e faz brasileiro rever rotina e planos – Mais Brasília
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Inflação se espalha e faz brasileiro rever rotina e planos

Janeiro foi o segundo mês consecutivo de inflação

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Cortes na lista do supermercado, cancelamento de serviços, adiamento de viagens e cursos. Com a inflação persistente e mais espalhada pela economia, situações assim viraram realidade para muitos brasileiros nos últimos meses.
Após atingir em cheio os mais pobres, a escalada dos preços também força mudanças na rotina de outras camadas da população.

Com o orçamento apertado, o advogado Joel Rosa da Rocha, 54, teve de adiar o plano de estudar inglês. Segundo ele, o curso seria importante para incrementar a formação profissional. Rocha quer fazer doutorado, mas o desejo deve ficar para outra hora.
O morador de Itapevi (a 43 km de São Paulo), ele relata que, além das despesas diretas com os estudos, eventuais gastos com deslocamentos para aulas tampouco teriam espaço no bolso neste momento.

Para tentar poupar gasolina, que disparou na pandemia, Rocha reduziu até o número de idas de carro ao supermercado durante a semana. E, em frente às gôndolas, precisou fazer cálculos e diminuir o volume de compras.
“É necessária uma verdadeira engenharia financeira. O brasileiro médio precisa fazer um milhão de contas hoje em dia”, diz.

Em janeiro, o índice oficial de inflação no Brasil teve alta de 0,54%, informou nesta quarta-feira (9) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Trata-se do maior resultado do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) para o mês desde 2016 (1,27%). Em 12 meses, o indicador acumula alta de 10,38%.

Um dos pontos que preocupam analistas é a sinalização de que a inflação, além de persistente, ficou mais disseminada nos últimos meses.
Em janeiro, 8 dos 9 grupos de produtos e serviços pesquisados tiveram alta de preços, com destaque para o impacto de alimentos e bebidas (1,11%).
No período, o índice de difusão calculado pelo IBGE foi de 73%. O indicador mede o percentual de produtos e serviços que tiveram alta de preços, em uma amostra com 377 subitens. Quanto maior ele for, mais difusa é a inflação.

Janeiro foi o segundo mês consecutivo com o índice acima de 70%. Em dezembro, estava em 75%. Um ano antes, em janeiro de 2021, esse percentual era de 66%.

“A alta agora está mais disseminada do que em 2021, com exceção do mês de dezembro”, disse André Filipe Almeida, analista da pesquisa do IBGE.
Segundo ele, o quadro está relacionado em parte com a pressão de custos e o desarranjo das cadeias produtivas ao longo da pandemia. Com o aumento nas despesas de insumos e operação, empresas tendem a fazer repasses para os preços de bens ou serviços.
“A inflação está mais espalhada. Não há dúvidas”, avalia o economista Fábio Astrauskas, sócio-diretor da Siegen Consultoria.

MENOS CARNE E SERVIÇOS
Com a pressão gerada pelo aumento dos combustíveis na pandemia, a família da professora Elizânia Azanha, 43, também precisou deixar o carro parado por mais tempo na garagem de casa, em Mogi das Cruzes (a 65 km da capital paulista).

O cardápio de refeições não escapou dos efeitos da alta de preços. O consumo de carne diminuiu na pandemia, e a compra de frutas e legumes passou a ser feita apenas em dias de ofertas no supermercado. Idas a restaurantes só em ocasiões especiais, como aniversários.
“A redução do conforto foi a alternativa que encontramos para ter custos mais baixos”, afirma a professora.

O jornalista Lincoln Santiago, 43, de Taubaté (a 130 km de São Paulo), engrossa a lista de brasileiros que foram forçados a diminuir o consumo na pandemia.
Ao lado da companheira e dos três filhos, cortou parte das viagens de carro e cancelou serviços de TV por assinatura e telefone fixo.

Nem a cerveja do final de semana ficou imune à contenção de gastos, diz o jornalista. Com a pressão inflacionária, a compra da bebida diminuiu.
“Quando era criança, lembro que meus pais tinham dificuldades com a inflação nos anos 1980, mas eu não era um dos responsáveis pelas contas da família”, compara.

JUROS ALTO
A preocupação do arquiteto e urbanista Enio Moronari, 46, não se resume ao aumento dos preços de bens e serviços. O morador de Belo Horizonte (MG) também relata que o pagamento de dívidas é uma tarefa que tende a ficar ainda mais complicada para ele nos próximos meses.
O temor está relacionado à elevação da taxa básica de juros, a Selic, o que aumenta o custo do crédito no Brasil. O BC (Banco Central) vem subindo a Selic em uma tentativa de conter a inflação.

Na semana passada, a taxa avançou para 10,75%. Segundo o relatório Focus, divulgado pelo BC, analistas do mercado financeiro projetam Selic de 11,75% ao final de 2022. Porém, já há instituições prevendo a taxa acima de 12% até dezembro.
Trabalhador autônomo, Moronari considera que a escalada dos preços e a alta dos juros criam uma “guerra de sobrevivência”.

“É praticamente uma redução de prazer. Tem dois ou três anos que não consigo planejar uma viagem. As dificuldades são no cotidiano. Você vê o dinheiro sumir porque quase tudo o que compra fica mais caro”, observa.

Reportagem recente do jornal Folha de S.Paulo mostrou que, após castigar os mais pobres, a crise gerada pela pandemia começa a afetar com maior força a renda do trabalho da classe média-alta nas regiões metropolitanas do Brasil. A conclusão é da sexta edição do Boletim Desigualdade nas Metrópoles.

Na visão dos responsáveis pelo estudo, o quadro reflete a combinação entre fraqueza da atividade econômica e escalada da inflação –os dados levam em conta o avanço dos preços no país.
Os responsáveis pelo boletim ponderam que, mesmo com as perdas, as famílias com rendimentos maiores atravessam a crise em uma situação bem menos dramática do que os mais pobres, já que elas possuem mais condições financeiras.
Durante a pandemia, a combinação entre inflação persistente e renda fragilizada fez brasileiros buscarem doações e até restos de comida para alimentação.