Nova regra prevê alta real de gastos entre 0,6% e 2,5% ao ano e piso para investimentos – Mais Brasília
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Nova regra prevê alta real de gastos entre 0,6% e 2,5% ao ano e piso para investimentos

Haddad adiantou que a fórmula proposta pelo governo não é uma "bala de prata" para resolver a situação das contas públicas

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A nova regra fiscal proposta pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê um crescimento real das despesas entre 0,6% e 2,5% ao ano. Esses são o piso e o limite máximo de avanço dos gastos.

O desenho também prevê um patamar mínimo para investimentos, atendendo a uma preocupação política do PT de que esses gastos não sejam comprimidos ao longo do tempo.

Os detalhes são anunciados em entrevista coletiva concedida pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) nesta quinta-feira (30). Haddad adiantou que a fórmula proposta pelo governo não é uma “bala de prata” para resolver a situação das contas públicas.

“Isso aqui não é uma bala de prata que resolve tudo. É o começo de uma longa jornada. Mas esse é o plano de voo”, disse.

Como antecipou a Folha de S.Paulo, o governo propõe uma regra fiscal em que o crescimento das despesas federais seja limitado a 70% do avanço das receitas observado nos últimos 12 meses.

Na prática, o governo pretende trabalhar com uma nova trava para as despesas, que teriam crescimento real (acima da inflação), mas em ritmo menor do que a arrecadação. Essa combinação é considerada crucial para melhorar a situação das contas públicas nos próximos anos e estabilizar a trajetória da dívida pública.

Além disso, a regra vai prever um intervalo para a meta de resultado primário a cada ano, como uma espécie de banda para flutuação. O resultado primário é obtido a partir das receitas menos as despesas. Hoje, há uma meta única definida anualmente.

Caso o resultado das contas venha melhor do que a banda superior da meta anual, o excedente poderá ser usado para financiar os investimentos. Por outro lado, se o governo não conseguir atingir sequer o piso da meta de primário, o crescimento das despesas ficará limitado a 50% da alta das receitas no ano seguinte.

O objetivo da proposta é substituir o teto de gastos, regra fiscal em vigor que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior -desenho visto como muito rígido pela atual gestão.

A previsão do governo é que o déficit, projetado em 1% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano, seja zerado já em 2024, conforme mostrou a Folha de S.Paulo. Em 2025, a estimativa indica superávit (arrecadação maior do que gastos) equivalente a 0,5% do PIB. No ano seguinte, 2026, o saldo positivo seria de 1% do PIB.

O percentual de vinculação entre despesas e receitas será fixo, embora a cada ano sua aplicação sobre as novas estimativas leve a números diferentes de espaço no Orçamento.

A ideia é que, ao aprovar o Orçamento para o ano seguinte, o governo obtenha, a partir dos dados de arrecadação nos últimos 12 meses, o limite de avanço da despesa.

No cenário em que a estimativa de alta da arrecadação seja 2% em termos reais, por exemplo, a elevação na despesa poderia ser de até 1,4%.

Além disso, o percentual não será aplicado de forma linear a todas as despesas. Com o fim do teto de gastos, serão retomados os mínimos constitucionais de saúde e educação como eram até 2016: 15% da RCL (receita corrente líquida) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos no caso da educação.

Na prática, o avanço dessas despesas acompanhará mais de perto a arrecadação, enquanto outros gastos precisarão ter crescimento mais moderado para respeitar o limite como um todo.

O limite será abrangente, mas algumas despesas ficarão de fora, entre elas os repasses do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem. São gastos aprovados por emenda constitucional.

Pela forma como foi desenhada, a proposta tem caráter pró-cíclico, ou seja, permite aumento de gastos quando há ampliação da receita e do crescimento, ao mesmo tempo em que impõe moderação em fases de baixa. Evitar isso era um dos princípios defendidos por economistas do próprio PT.

Por isso, o governo incluiu as travas para impedir que a despesa acompanhe o ritmo das receitas quando estas tiverem alta expressiva, ou ainda que seja preciso cortar gastos porque a arrecadação caiu de forma significativa.

A ideia é que o crescimento da despesa siga a receita, mas até o percentual limite de 2,5%. De forma análoga, se as receitas despencarem, a alta de gastos respeitará o piso de 0,6%.

“[O governo] Faz o colchão na fase boa para poder usá-lo na fase ruim. Isso dá segurança não só para o empresário que quer investir, mas para as famílias que precisam do apoio do Estado no que diz respeito aos serviços essenciais”, disse Haddad em entrevista.

Em uma espécie de vacina contra críticas, o ministro afirmou que o governo atuará para recompor a base tributária que garante a arrecadação do governo, mas negou que isso vá representar um aumento da carga sobre os contribuintes . Ele defende a maior cobrança sobre aqueles que hoje quase não pagam imposto.

“Essa regra não vai ser impedimento para que se cumpra aquilo convencionado pela sociedade. Apenas o que foi convencionado tem que ter a contrapartida dos setores mais abastados”, disse o ministro. Segundo ele, é preciso reverter a “tendência patrimonialista de apropriação do Estado”.

O novo marco fiscal foi apresentado a Lula em seu formato final pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em reunião nesta quarta-feira (29) no Palácio da Alvorada. Também participaram da reunião a ministra Esther Dweck (Gestão), a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e os líderes do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), e no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).

Na sequência, Haddad se dirigiu à residência oficial do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para apresentar a proposta a lideranças da Casa.

Nesta quinta, antes do anúncio oficial da proposta, o ministro teve encontro com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e senadores para divulgar os detalhes e buscar apoio ao projeto.

ENTENDA A MUDANÇA NAS REGRAS FISCAIS
O que é o novo arcabouço fiscal?
É o conjunto de regras de controle para as contas públicas. A proposta do governo busca substituir o atual teto de gastos, criado no governo de Michel Temer (MDB).

Por que o governo está substituindo o teto?
O governo avalia que o teto de gastos limitou a capacidade do Estado de promover políticas públicas. Apesar disso, reconhece que não é possível ficar sem uma regra de controle para as despesas.

O que é necessário para o teto ser substituído?
Uma emenda constitucional promulgada no fim de 2022 estabelece que o governo deve apresentar, até 31 de agosto, uma nova proposta de regra fiscal por meio de um projeto de lei complementar. Uma vez aprovada a proposta pelo Congresso, ela substituirá o teto de gastos -que será automaticamente revogado.

Como é hoje
Teto de gastos: regra inserida na Constituição e que está em vigor desde 2017. Ela impede que as despesas federais cresçam mais do que a inflação na passagem de um ano para o outro.

Meta de resultado primário: prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, é estipulada em valor numérico a cada ano na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O resultado é obtido a partir da diferença entre receitas e despesas no ano. Hoje, é uma meta única e precisa ser cumprida pelo Executivo.

Como é a proposta do governo

Trava para gastos: em vez do teto de gastos, a despesa poderá crescer o equivalente a 70% da alta projetada nas receitas (por exemplo, se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá subir até 1,4%). Haverá, porém, limites mínimos e máximos para essa variação nos gastos. O percentual mínimo evita que uma queda brusca ou temporária na arrecadação obrigue o governo a comprimir despesas. Já o limite máximo afasta o risco de o Executivo expandir gastos de forma exagerada quando há um pico nas receitas.

Meta de resultado primário: em vez da meta única de resultado das contas públicas a ser perseguido pelo governo, haverá um intervalo projetado para o exercício e o Executivo precisará encerrar o exercício dentro dessa banda.

Por Idiana Tomazelli, Thiago Resende e Alexa Salomão