Remuneração de militares inativos se distancia de aposentados do INSS – Mais Brasília
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Remuneração de militares inativos se distancia de aposentados do INSS

Valor é 6,4% maior, em termos nominais, que o observado no ano anterior e indica um ritmo de crescimento mais acelerado

Dinheiro
Foto: Agência Brasil

A remuneração de militares inativos e seus pensionistas custou em média R$ 146,2 mil por beneficiário no ano de 2021. O valor é 6,4% maior, em termos nominais, que o observado no ano anterior e indica um ritmo de crescimento mais acelerado do que entre segurados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ou servidores civis.

No INSS, o gasto médio em 2021 ficou em R$ 22,6 mil, ou 5,6% maior do que no ano anterior. Já no regime próprio de servidores civis, a despesa média foi de R$ 114,7 mil, uma queda nominal de 3,4% na mesma base de comparação.

As estimativas foram obtidas pela Folha a partir de fontes oficiais de dados. O Tesouro Nacional registra as receitas e despesas totais anuais com cada regime, e o Ministério do Trabalho e Previdência publica o quantitativo de beneficiários até 2020.

O número de beneficiários para 2021 foi extraído dos anexos do projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2023, que traça projeções de gastos, beneficiários e sustentabilidade desses sistemas para as próximas décadas.

Em 2020, o próprio Tesouro Nacional calculou os gastos por beneficiário de cada regime para o período de 2010 a 2019, num momento em que a equipe econômica e o TCU (Tribunal de Contas da União) travavam uma queda de braço com as Forças Armadas em busca de maior transparência na divulgação dessas informações.

A conta, que ajudou a expor a disparidade entre os regimes, foi incluída no Relatório Contábil do Tesouro Nacional daquele ano. No entanto, a continuidade da estimativa ficou prejudicada nas últimas edições do documento –o mais recente foi publicado neste mês.

Quando são consideradas as receitas arrecadadas em cada regime, o dos militares das Forças Armadas também tem o maior rombo individual, com R$ 123,4 mil por beneficiário. Na prática, isso significa que a União precisa direcionar recursos recolhidos de outras fontes de tributos para poder cobrir essas obrigações.

No sistema previdenciário de servidores civis, o déficit por pessoa é de R$ 62,2 mil. Já no INSS, o valor é de R$ 7,9 mil. No entanto, esses regimes contam não só com a contribuição dos participantes, mas também dos empregadores, o que incrementa as receitas.

Formalmente, o sistema dos militares não é classificado como um regime previdenciário devido às particularidades da carreira, como a possibilidade de convocação dos inativos em caso de conflito armado.

Apesar da diferença conceitual, o TCU tem cobrado de forma ostensiva maior transparência. O plenário da corte reconheceu, em março deste ano, as peculiaridades do sistema dos militares, mas reiterou que ele deve “atender aos princípios que norteiam o planejamento orçamentário de longo prazo e a gestão fiscal responsável”.

Além disso, especialistas afirmam que a última reforma promovida no sistema de proteção dos militares foi mais tímida do que o devido, e a manutenção de benesses segue impulsionando o gasto com a categoria.

O projeto de lei foi apresentado e aprovado em 2019, durante o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (PL), que é capitão reformado do Exército.

Enquanto a reforma da Previdência endureceu as regras de cálculo de benefícios para trabalhadores da iniciativa privada e servidores civis federais, bem como seus pensionistas, a nova lei dos militares manteve privilégios como o pagamento integral de pensões e possibilidade de acumular benefícios.

No INSS e no regime dos servidores, os segurados precisam contribuir por 40 anos para conseguir se aposentar com um benefício equivalente a 100% da média dos salários de contribuição, no caso dos homens. Já os militares levam para a reserva o valor integral de sua remuneração, independentemente do momento de sua migração.

Outra diferença é vista na pensão por morte. Sob as regras do INSS ou do regime de servidores civis, ela equivale a 50% da aposentadoria que era paga ou do benefício a que teria direito caso se aposentasse por invalidez, mais 10% por dependente. Um cônjuge sem filhos, por exemplo, receberia 60%, respeitado o piso de um salário mínimo (R$ 1.212 em 2022).

Já no caso das pensões militares, o benefício é sempre concedido em valor integral, embora possa ser dividido quando há mais de um dependente habilitado a recebê-lo.

Os servidores civis também estão sujeitos ao pagamento de uma alíquota de contribuição bem maior, de até 22% conforme o salário, enquanto os militares recolhem o equivalente a 10,5% da remuneração.

Juliana Damasceno, economista-sênior da Tendências Consultoria e pesquisadora associada do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), reconhece que o sistema dos militares tem características distintas do INSS e do regime dos servidores civis, mas afirma que a reforma aplicada às Forças Armadas foi branda.

“O texto aprovado não eliminou todas as distorções porque trouxe uma série de bônus e regalias que não estavam nas aposentadorias dos militares”, diz.

A especialista diz que existe uma diferença de natureza no exercício da atividade militar, que trava uma discussão sobre idade mínima para a categoria, por exemplo. A instituição de uma idade mínima foi um dos principais pontos da reforma para os demais trabalhadores.

“Mas na questão do benefício integral, o militar que entra na reserva continua recebendo o salário da ativa e ainda recebe os reajustes. É uma disparidade que não acontece nos outros países, como Estados Unidos, Inglaterra. Todos eles têm uma certa queda [na remuneração da reserva]”, afirma Damasceno.

Ela ressalta ainda que as chamadas integralidade e paridade, que asseguram a remuneração total e com reajustes iguais aos da ativa, foram mantidas sobre médias salariais que já são elevadas.
Segundo o anexo sobre o sistema militar no PLDO 2023, os militares inativos recebem em média R$ 21.259,41, nas carreiras de oficial, e R$ 8.916,49 entre os praças.

No serviço civil, a integralidade e a paridade foi extinta para novos servidores no fim de 2003, e na maioria das carreiras apenas funcionários que ingressaram antes dessa data ainda têm direito ao benefício.

A reforma dos militares também incorporou uma série de reajustes nas remunerações das Forças Armadas, o que contribuiu para reduzir a potência da proposta, sobretudo no curto prazo.

O economista Paulo Tafner, especialista em Previdência e diretor-presidente no IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social), afirma que o reajuste era devido, pois os soldos estavam defasados e não raro abaixo do recebido por militares estaduais.

“Em 23 estados, o coronel da Polícia Militar ganhava mais que o coronel das Forças Armadas. Não pode, é uma subversão na hierarquia salarial. Tinha que ter um realinhamento. O momento é que não foi bom”, avalia Tafner.

No entanto, o economista reconhece que a proposta poderia ter avançado em temas como a integralidade das pensões. “Os militares prestaram juramento à bandeira, mas seus cônjuges não”, critica.

Outro ponto que deveria ser alterado, segundo ele, é a autorização para acúmulo de pensões –uma regra mais benevolente do que no INSS ou entre servidores civis. “Se o pai é da Força Aérea e a mãe é da Marinha, os dois deixam pensão”, diz.

Segundo Tafner, as reformas do INSS e dos servidores civis tiveram um efeito mais rápido, com a entrada em vigor de regras de transição.

O próprio Tesouro Nacional já identificou uma melhora sensível nas projeções do INSS, cujo déficit hoje deve sair de 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2023 para 7,0% em 2060 (antes, a linha de chegada era bem pior, com um rombo de 11,64% do PIB).

“Nos militares ocorreu o inverso, primeiro eles tiveram um bom aumento de remuneração e, em um segundo momento, vêm os efeitos da reforma”, afirma Tafner. No longo prazo, porém, a tendência de declínio do quantitativo das Forças Armadas deve reduzir o déficit.

Por Idiana Tomazelli