Entenda como João Gomes e Mari Fernandez renovaram o forró após a prisão de DJ Ivis – Mais Brasília
FolhaPress

Entenda como João Gomes e Mari Fernandez renovaram o forró após a prisão de DJ Ivis

Produtor que dominava a pisadinha, preso por agredir a mulher, dá lugar a jovens que oxigenam o gênero com sofrência e rap

Foto: Divulgação

No último mês de junho, João Gomes participou da live de Xand Avião, uma das grandes referências do forró eletrônico, e o jovem aproveitou a oportunidade para apresentar a um público mais amplo um hit que já bombava no TikTok, “Meu Pedaço de Pecado”. Quem também estava no show era DJ Ivis, hoje preso depois de agredir a mulher.

“Ele me abriu as portas em Fortaleza. Foi quem fez essa ponte de me levar até o Xand. Então, nunca de um cara que me deu uma oportunidade dessa eu ia imaginar que isso estivesse passando na vida dele”, diz Gomes. “Foi um choque. A gente ficou com o coração partido. Não tem como explicar, a gente fica decepcionado.”

Desde que os vídeos exibindo as agressões de Ivis vieram a público, suas músicas foram retiradas de playlists no streaming e ele foi demitido da gravadora de Xand, a Vybe, além de preso. Àquela altura, o DJ despontava em carreira solo, colecionando hits da pisadinha e do forró eletrônico entre as mais ouvidas do país –seja na voz dele ou de artistas como Zé Vaqueiro, Tarcísio do Acordeon e do próprio Xand.

De lá pra cá, na ausência de um de seus expoentes, o forró não perdeu espaço –na verdade, o estilo continua crescendo e se renovando. Atualmente, João Gomes tem cinco das 50 músicas mais tocadas do país no Spotify, numa lista que ainda conta com Mari Fernandez, Barões da Pisadinha, Vitor Fernandes, Wesley Safadão e Zé Vaqueiro, entre outros.

O processo de eletrificação do forró turbinou essa ascensão, mas o gênero ganha agora ainda mais nuances estéticas. João Gomes, que tem 19 anos, nasceu na cidade de Serita e estudou em Petrolina, em Pernambuco, e carrega a cultura da vaquejada –esporte em que duas pessoas derrubam um boi montadas a cavalo.

“As canções de vaquejada, de vaqueiro, pelo que eu observo são canções sinceras e singelas. Você pega o Kara Véia. Ele tem umas músicas simples, mas que a gente nota ouvindo que foi feita de coração. O cantor que é vaqueiro, que é nordestino, carrega muito isso porque às vezes você vê e é até um cara que não sabe nem ler e nem escrever, mas que compõe belas canções.”

Pouco conhecido fora do Nordeste, o alagoano Kara Véia foi locutor de vaquejada e cantou essa cultura interiorana até se suicidar, em 2004, com um tiro na cabeça, no auge do sucesso. Muitos dizem que ele se matou por causa de uma decepção amorosa.

Além de Kara Véia, Gomes carrega influência de nomes como Caninana e Sirano e Sirino. “Esses dias fui à casa do [cantor sertanejo] Sorocaba compor com o pessoal. Não escrevi nada, só fiquei mostrando para eles as músicas do Kara Véia.”

Gomes canta a vaquejada em músicas como “Eu Tenho Senha” e “Que Nem Vovô”, mas vai além. “Meu Pedaço de Pecado”, seu principal hit, tem versos acelerados numa levada quase de rap, além da pegada eletrônica. “Ficou muito meloso do jeito que estava, lento. Aí eu disse, ‘tem que ficar ligeiro’. Foi espontâneo, não foi pensando em rap não.”

Mas se não pensou no hip-hop para fazer “Meu Pedaço de Pecado”, Gomes é fã de MCs como BK, Lennon e Matuê e já gravou –trazendo todas para seu próprio estilo– músicas de Luiz Lins e Orochi, todos artistas da cena do rap e do trap.

“Eu já tinha uma guia da música do Luiz [‘Mete um Block Nele’], com um amigo que toca piseiro, teclado. Os caras [no estúdio] não estavam nem ligados. Aquela do Orochi também ninguém sabia. Mostrei para o meu empresário, e ele só disse ‘rapaz, essa música é boa’.”

A renovação também tem a ver com uma questão geracional. “Quem é jovem sabe quem é Matuê. É mais difícil para a galera das antigas conhecer esses artistas e esses estilos que vêm chegando agora –tipo o trap e outras coisas. Mas dá para aproveitar muita coisa. Eles escrevem muito bem no estilo que eles fazem. Isso é bom para inspirar a arte que você está fazendo.”

Da mesma forma que Gomes, a cantora Mari Fernandez, de 20 anos, domina as redes sociais e o TikTok, rede social em que estourou com a música “Não, Não Vou”. Com uma base de forró eletrônico, ela canta o que chama de “piseiro sofrência”, com um pé na pisadinha e o outro em Marília Mendonça.

Nascida em Alto Santo, no Ceará, ela se mudou para Fortaleza há um ano e meio, com o intuito de buscar uma carreira na música. “Comecei como compositora para mudar minha vida. Não escrevia para artistas específicos, mas para que algum artista gravasse e firmasse meu nome no mercado de compositores.”

Fernandez, como Marília Mendonça, é uma compositora antes de ser cantora, mas também teve experiências cantando em barzinho antes de gravar as próprias músicas. Fã da banda de forró eletrônico Desejo de Menina e do feminejo, ela baseia sua música totalmente na sofrência.

“É porque conversa muito com o sentimento. Eu sou uma pessoa muito sentimental. Quando comecei a escrever, eu não tinha nem vivido aquelas coisas, mas saía natural. E quando ouvi Marília pela primeira vez, pensei ‘essa mulher é empoderada mesmo’. Como a gente diz no Ceará, é ‘rocheda’.”

Com três meses de carreira, Fernandez já se tornou a primeira mulher do forró a ter a música mais ouvida do país no Spotify –além de ser a única a alcançar essa posição numa música sem participações este ano. Mais do que uma cantora de sofrência, contudo, Mari Fernandez quebra uma hegemonia de homens à frente da pisadinha.

“Costumo chamar o piseiro de forró atualizado, porque tem mais eletrônico. Não ia deixar de cantar minha essência, ainda mais esse forró mais jovem. E também não tem mulher num ritmo que tá todo mundo consumindo, que está trazendo novos nomes. Já a sofrência é a minha identidade.”

Em comum com João Gomes, Mari Fernandez tem a vontade de expandir a estética do forró. Ela prepara um single em parceria com o DJ Guuga, de funk. “Acho que grandes artistas não se limitam. Eu, o João e o pessoal da nova geração queremos ser grandes artistas. Gosto de funk, MPB, eletrônico, então não vou me prender. Se a música for boa, vou me arriscar. O que vai ser da gente se não nos arriscarmos?”