Testemunha diz que PM incomodou Leandro Lo antes de briga – Mais Brasília
FolhaPress

Testemunha diz que PM incomodou Leandro Lo antes de briga

Campeão mundial de jiu-jítsu foi morto com um tiro na cabeça no último fim de semana, em um show na zona sul de São Paulo

Foto: Reprodução/Instagram

O campeão mundial de jiu-jítsu Leandro Lo, morto com um tiro na cabeça no último fim de semana, em um show na zona sul de São Paulo, foi provocado mais de uma vez pelo policial militar Henrique Otávio Oliveira Velozo, dizem testemunhas ouvidas pela Polícia Civil no inquérito que investiga a morte do atleta. Henrique Velozo é tenente da PM e o principal suspeito de ter atirado em Leandro.

O UOL Esporte teve acesso a documentos do inquérito da 16° Delegacia de Polícia, na Vila Clementino. Nos autos, uma das testemunhas presente no Clube Sírio na hora do assassinato revelou que o policial havia provocado Leandro Lo antes de pegar uma garrafa de uísque e ser imobilizado pelo campeão mundial. Em seguida, o PM teria retornado e disparado.

Segundo o depoimento de um amigo de Leandro, que terá o nome mantido em sigilo nesta reportagem, o tenente Henrique Velozo abordou Leandro e colocou copos vazios em suas mãos. O ato, visto como uma provocação, incomodou o campeão mundial, que relatou o incômodo ao amigo.

Imediatamente após essa provocação, ainda segundo a testemunha, Henrique Velozo voltou à mesa de Leandro Lo, pegou uma garrafa de uísque e a ergueu, em “nítida provocação” ao lutador. Segundo as testemunhas, Leandro Lo então derrubou o PM, que também treina jiu-jítsu, e posicionou-se sobre o peito do policial.

“O autor [Henrique Velozo], após se levantar, caminhou alguns metros em sentido oposto ao de Leandro, dando indícios de que a desavença havia cessado e que deixaria o lugar, todavia, de maneira brusca e inesperada, sacou uma arma de fogo que levava consigo sob suas vestes, presa ao cós de sua calça, voltou-se para a vítima e disparou contra a sua face, alvejando-a na testa”, afirma o relatório da polícia, descrevendo o relato de uma das testemunhas.

De acordo com o Estatuto do Desarmamento, policiais têm direito de portar armas de fogo mesmo fora de serviço, o que permitiu que seis pessoas estivessem armadas durante aquele show. Essa situação intimidou a equipe de segurança do evento.

Outra pessoa presente ao local destacou que o PM ainda deu dois chutes na cabeça de Leandro Lo após o tiro. “O autor, de forma súbita, sacou a pistola que carregava na cintura e efetuou um disparo contra a testa da vítima, que, mesmo inconsciente, levou dois chutes do algoz na cabeça, o qual se evadiu em direção ao palco”, afirma o relatório policial.

Os autos do inquérito trazem outros detalhes da investigação, a cargo do delegado José Eduardo Jorge. O tenente Henrique Velozo só foi reconhecido pelas testemunhas que acompanhavam Leandro Lo porque seu nome e seus dados estavam no caderno que registrou as pessoas armadas no show. O procedimento faz parte do protocolo da empresa KGB Segurança, que fez a vigilância do evento.

Segundo a investigação, dois amigos do campeão mundial viram as fotos do PM e o reconheceram “de forma cabal” como autor do disparo. Outros dois afirmaram ter “90% de chance” de as fotos de Henrique Velozo serem compatíveis com o rosto do criminoso. Um dos amigos do lutador disse não ter condições de identificar o atirador.

Um dia depois do crime, Fátima Lo, mãe de Leandro, sugeriu a possibilidade de o tenente ter conhecido seu filho antes do show, por ambos lutarem jiu-jítsu, mas essa possibilidade não aparece nos autos do inquérito.

O UOL Esporte apurou que Henrique Velozo tinha mesmo uma ligação com as artes marciais e frequentava o tatame da Escola de Educação Física da Polícia Militar, na região central de São Paulo.

No ano passado, ele posou para uma foto no tatame sob um escudo que mostra os aros olímpicos e o nome da “Lótus Team”, conhecida equipe de jiu-jítsu fundada pelo mestre Moisés Muradi. “Estamos todos muito abalados com o que aconteceu”, disse Muradi, que conhecia Leandro Lo desde que o atleta era juvenil e se considera um fã. O professor afirma que nunca encontrou o tenente da PM, mas confirma que um de seus ex-alunos deu aulas para o policial no tatame da PM.

Apesar do nome do time estar na parede do local de treino, o atleta diz que sua equipe não tem nenhuma parceria com a corporação.

“Muitos policiais frequentam o tatame do PM, mas é uma coisa mais para defesa pessoal, para dar formação para rua. Eles procuram o jiu-jítsu porque sabem que é a melhor luta para se defender na rua, para aprisionar alguém”, afirma Muradi. “Ele [Henrique] frequentou pouco. Lá também treina policial bom, gente boa… mas a gente nunca sabe quem está treinando ali.”

Antes do crime, mesmo com o treinamento marcial, o policial foi rapidamente imobilizado pelo campeão mundial. Segundo os amigos de Leandro, o lutador aplicou um golpe conhecido como “baiana”, que consiste em agarrar o adversário pelas duas pernas para derrubá-lo de costas no chão. O faixa-preta sentou-se então sobre o peito do policial, mas foi convencido pelos amigos a libertá-lo. Quando Henrique se afastou, ainda segundo as testemunhas, se virou de volta e atirou na cabeça do lutador.

Na delegacia, ao ser preso no domingo, o policial preferiu se manter calado. A reportagem tentou três vezes ontem contato com a defesa de Henrique Velozo, por e-mail, ligação telefônica e mensagem de WhatsApp, mas o escritório do advogado Oliveira Campanini não retornou os pedidos de entrevista.

Por Adriano Wilkson e Thiago Tassi