Trabalho de 9 anos com psicóloga molda serenidade de Rebeca nas Olimpíadas – Mais Brasília
FolhaPress

Trabalho de 9 anos com psicóloga molda serenidade de Rebeca nas Olimpíadas

Serenidade demonstrada pela ginasta nas suas duas conquistas de medalha nas Olimpíadas impressionou muitos brasileiros

Rebeca Andrade
Foto: Míriam Jeske/COB

A serenidade demonstrada pela ginasta Rebeca Andrade nas suas duas conquistas de medalha nas Olimpíadas de Tóquio impressionou muitos brasileiros, que logo quiseram saber quem é a responsável pelo trabalho de preparação mental da atleta.

Nos dias de suas apresentações, as redes sociais se encheram de publicações com brincadeiras que pediam o contato da profissional, a quem Rebeca, 22, fez questão de agradecer durante as entrevistas que concedeu no Japão.

Do Brasil, Aline Wolff, a psicóloga em questão, se divertiu com a reação do público e vibrou com o sucesso da ginasta, que será a porta-bandeira brasileira na cerimônia de encerramento dos Jogos, às 8h de domingo (8/8).

“É interessante quando a performance mental e a serenidade da atleta tocam as pessoas. Todos temos nossas performances e queremos para nós essa capacidade de regular emoções e se superar”, afirma à Folha. “O bom é que as pessoas estão vendo que isso não vem de graça, precisa de autoconhecimento.”

Ela conta que nos últimos dias foi procurada via redes sociais para consultas e viu as vendas de um livro de sua autoria crescerem.

Para deixar a psicóloga ainda mais orgulhosa, Rebeca reforçou a mensagem de que nada mudou de uma hora para outra. O trabalho com Wolff já dura nove anos, e a ginasta precisou passar por um longo processo até demonstrar toda a tranquilidade vista em suas apresentações e entrevistas no Japão.

“Do ano passado para cá, eu consegui colocar em prática a parte de não me sentir nervosa, manter o controle. Foi muito importante esse processo de me conhecer. Eu me conectei comigo mesma e hoje a gente vê o resultado”, disse a atleta após a medalha de prata no individual geral, a primeira da ginástica artística feminina do Brasil na história dos Jogos. Três dias depois, seria ouro no salto.

Impressionou especialmente a resiliência que ela teve para chegar a esse resultado após passar por três cirurgias no joelho direito, a última delas em 2019. Wolff pontua que, superadas as limitações físicas, o aprendizado decorrente desse processo foi bem absorvido por Rebeca.

“A lesão tem um potencial traumático muito grande, mas, quando isso é trabalhado e cuidado, a chance é maior de ser transformado em maturidade. São vários fatores que vão construindo essa prontidão e segurança para que ela seja genuína. Isso não se finge. Olhando para ela, todo mundo conseguiu sentir essa tranquilidade na atitude que encantou a todos”, diz a psicóloga.

O foco das Olimpíadas de Tóquio na saúde mental dos atletas era esperado mesmo antes da pandemia da Covid-19, já que o tema tem ganhado espaço na esfera esportiva nos últimos anos e, aos poucos, deixado de ser um tabu.

As incertezas sobre a realização dos Jogos, as dificuldades de preparação encontradas pelos esportistas e o sentimento de luto coletivo vivido desde 2020 reforçaram a importância de se falar sobre o assunto, que explodiu mesmo com Simone Biles.

Grande estrela do evento, a ginasta americana deixou de competir na maioria das provas que disputaria em Tóquio para preservar sua saúde física e mental. Deu o recado de que precisava pensar em si mesma antes de tudo e que seu bem estar era mais importante do que a busca incessante por medalhas.

“Os atletas sentiam que falar sobre isso era uma fraqueza. Não se dizia que atleta poderia cometer suicídio, deprimir ou ter um ataque de pânico durante a competição. Hoje, se fala, e isso é muito válido, porque acontece e temos que ter formas de dar suporte”, diz Wolff. A psicóloga também lidera a área de preparação mental do COB (Comitê Olímpico do Brasil).

Após conquistar sua medalha de bronze, o nadador Bruno Fratus, 32, falou abertamente sobre a grave depressão que enfrentou na sequência dos Jogos de 2016, quando não atingiu o resultado que esperava. “São cinco anos lidando com essa inquietude. Dois meses depois do Rio, eu estava na pior depressão da minha vida, considerando sumir completamente da face da terra.”

Para Wolff, o modelo do alto rendimento com “sangue, suor e lágrimas” está caindo em desuso, pois o atleta não pode ser encarado apenas como uma máquina de competição.

“A medalha não garante felicidade. Isso tem que vir ao longo do processo. As pessoas precisam estar bem para render, o que contraria o modelo mais mecanicista em que tudo tem que ser muito duro e difícil. Quanto mais os atletas estiverem inteiros e felizes, mais os resultados virão”, encerra.

Matéria escrita por Daniel E.de Castro