Americano que tentou vender segredo militar ao Brasil entregou dados em sanduíche e chiclete – Mais Brasília
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Americano que tentou vender segredo militar ao Brasil entregou dados em sanduíche e chiclete

O material foi entregue ao representante do FBI no Brasil

Foto: Reprodução

O casal americano que tentou vender ao Brasil segredos dos submarinos nucleares dos EUA chegou a pedir US$ 5 milhões pelo material. Ao negociar com um agente disfarçado do FBI, Jonathan e Diana Toebbe conseguiram receber US$ 100 mil em criptomoedas –e então foram presos, pondo fim ao caso.

De acordo com o relatório do FBI, obtido pelo jornal Folha de S.Paulo, a polícia federal americana começou a investigação em dezembro de 2020, após ser contatada pelo governo de um país estrangeiro.

Reportagem desta semana publicada pelo jornal The New York Times revelou que o país era o Brasil.
O pacote inicial enviado por Jonathan a autoridades de inteligência veio em um envelope pardo com quatro selos dos EUA e carimbo de Pittsburgh, no estado da Pensilvânia. Dentro, documentos da Marinha dos EUA, um cartão de memória do tipo SD e instruções.

No material, o remetente dizia ter a intenção de vender informações confidenciais sobre detalhes técnicos, manuais de operação e relatórios de desempenho de submarinos movidos a propulsão nuclear. Esses submarinos chegam a custar US$ 3 bilhões, e poucos países no mundo têm a tecnologia para produzi-los.

“Peço desculpas pela tradução pobre para sua língua. Por favor, encaminhe esta carta para sua agência de inteligência militar. Eu acredito que a informação será de grande valor para sua nação. Isso não é um trote”, afirmavam na carta, datada de abril de 2020. O autor se identificou como Alice.

O material foi entregue ao representante do FBI no Brasil só oito meses depois. Em 26 de dezembro de 2020, um agente americano começou a investigação. Ele adotou o apelido Bob e enviou um email para o remetente, perguntando se a proposta ainda estava de pé. Os dois lados usaram o ProtonMail, um serviço de mensagens que oculta dados dos usuários (como o local de onde a mensagem foi enviada).

A resposta veio dois meses depois, em 10 de fevereiro de 2021. Jonathan respondeu que não andava checando aquele endereço de email devido à pandemia, mas disse que a proposta continuava de pé.
Em seguida, o agente do FBI, dando a entender que era representante do governo brasileiro, pediu mais detalhes de um arquivo específico. “Temos um amigo de confiança em seu país que tem um presente para você, em compensação por seus esforços”, escreveu.

Em 5 de março, Jonathan respondeu que não se sentia confortável com um encontro. Propôs salvar os arquivos na nuvem e liberar o acesso a eles mediante pagamento de US$ 100 mil na criptomoeda Monero. Duas semanas depois, o agente sugeriu deixar um “presente” em local neutro. Nova recusa e contraproposta: deixar um cartão SD com dados num local específico e receber o pagamento online.

O agente aceitou pagar US$ 10 mil adiantados, antes de pegar o cartão, e US$ 20 mil depois, para receber a chave de criptografia que daria acesso ao conteúdo. Jonathan então pediu provas de que estava falando realmente com um agente do governo em questão: solicitou que um sinal fosse colocado no principal prédio da representação daquele país em Washington, no feriado do Memorial Day, no fim de maio.

O agente concordou, e o FBI “conduziu uma operação para colocar o sinal como solicitado” –o relatório não detalha qual foi o sinal usado, só relata o pedido por algo que fosse fácil de visualizar. “Eu poderei passar a pé, de ônibus, carro ou bicicleta”, teria dito Jonathan.

A embaixada do Brasil em Washington possui dois prédios, que ficam lado a lado: um de escritórios, visto facilmente da rua, e outro que é a residência do embaixador, mais distante da calçada.
Em 31 de maio, Jonathan disse ter visto o sinal e concordou em avançar com os planos. O FBI pagou US$ 10 mil em 10 de junho, e a entrega do cartão foi feita no dia 26. Um agente viu o momento em que o próprio Jonathan deixou o material no local combinado, no condado de Jefferson, na Virgínia Ocidental. Diana, esposa dele, também foi vista lá, parecendo vigiar o local enquanto o marido deixava o item.

Os dois ficaram cerca de uma hora e meia nos arredores, para tentar despistar quem os seguisse.
O cartão SD foi envolto em plástico e colocado no meio de um sanduíche de pasta de amendoim. Dois dias depois, o FBI pagou mais US$ 20 mil ao casal e recebeu a senha para acessar os arquivos –que de fato continham informações secretas sobre submarinos nucleares dos EUA.

Em julho de 2021, os dois lados combinaram mais uma entrega de dados, agora em um local no sul da Pensilvânia. O casal usou o mesmo carro e de novo foi visto por um agente do FBI ao deixar o material. Dessa vez, o cartão foi afixado dentro de um curativo adesivo em uma embalagem plástica de comida.

Junto com os documentos, Jonathan enviou uma mensagem. Disse ter ao todo mais de 10 mil páginas de informações secretas, que toparia vender por US$ 5 milhões. Contou ter obtido os dados aos poucos, que não tinha mais acesso a novos segredos e que poderia responder a questões técnicas se fosse preciso.

Também disse que preferia vender as informações aos poucos, para não despertar suspeitas dos agentes americanos, mas tratou o caso com ironia. “As forças de segurança dos EUA são preguiçosas. Elas também têm orçamentos limitados”, escreveu.

Jonathan, 43, entrou para a Marinha americana em 2012, após fazer mestrado em física nuclear –no começo da carreira, chegou a dar aulas em escolas nos níveis fundamental e médio. Ele havia deixado o serviço ativo em 2017, por ter cumprido seu tempo, e ficaria na reserva até julho de 2020. Sua mulher, Diana, 42, era professora do ensino básico. Os dois viviam em Annapolis, em Maryland.

Uma terceira entrega foi combinada para agosto. A essa altura, o celular de Jonathan já estava sendo rastreado pelos agentes. Ele foi sozinho até o local de entrega na Virgínia e colocou o cartão com os dados em um pacote de gomas de mascar.

Desta vez, o FBI pagou US$ 70 mil para obter a senha de acesso. Junto com os dados, havia uma mensagem, na qual Jonathan dizia estar considerando deixar os EUA e ir para um terceiro país. Ele ficou incomodado com o fato de o local da entrega ter apenas uma entrada, o que poderia ajudar a identificá-lo.

O casal foi detido em 9 de outubro, depois de mais uma entrega de dados. Os dois se declararam culpados das acusações em fevereiro deste ano e devem ir a julgamento até agosto. Especula-se que Jonathan pegue uma pena mínima de 12 anos e 6 meses de cadeia, mas ele está sujeito a prisão perpétua.

Por Rafael Balago