EUA congelam negociações na área ambiental, e Brasil teme retaliação econômica – Mais Brasília
FolhaPress

EUA congelam negociações na área ambiental, e Brasil teme retaliação econômica

A última reunião técnica entre negociadores das administrações Jair Bolsonaro e Biden ocorreu no início de maio

Ricardo Salles
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

RICARDO DELLA COLETTA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Quase dois meses após a Cúpula do Clima do presidente Joe Biden, as negociações sobre ambiente entre Brasil e Estados Unidos foram congeladas. A paralisação coincide com o aumento do desmatamento na Amazônia e a operação da Polícia Federal que atingiu o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
A última reunião técnica entre negociadores das administrações Jair Bolsonaro e Biden ocorreu no início de maio. Na ocasião, técnicos do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente realizaram uma videoconferência com Jonathan Pershing, assessor do enviado especial para o clima, John Kerry.
O objetivo era tentar encontrar um modelo de financiamento americano para ações de preservação ambiental no Brasil. Ao final da videoconferência, os participantes acordaram que teriam uma nova conversa nas semanas seguintes, mas desde então não houve pedido de agendamento pelas partes.
Desde o início do governo Biden, foram realizadas sete videoconferências sobre ambiente entre os países.
Kerry participou diretamente de duas –Salles esteve nos dois encontros, tendo sido acompanhado em um deles pelo ex-chanceler Ernesto Araújo e, no outro, pelo novo chefe do Itamaraty, Carlos França. As cinco reuniões restantes foram feitas em nível técnico.
Salles também marcou presença em algumas das videochamadas técnicas. Em uma delas, apresentou um slide com a imagem de um cachorro abanando o rabo na frente de espetos de frango assado, numa alegoria ao apetite do Brasil por doações internacionais.
O Itamaraty disse que as reuniões técnicas não são “negociações formais”, mas “exercício exploratório”. Também afirmou que não existe um “calendário predefinido” para os encontros. A embaixada dos EUA não respondeu.
Na quinta-feira (17), França conversou por videoconferência com o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken.
De acordo com o Departamento de Estado, Blinken discutiu com França as metas climáticas do Brasil, “duplo financiamento para eliminar o desmatamento ilegal até 2030, e a necessidade de sustentar essas metas com passos concretos de implementação a curto prazo”.
Em uma série de mensagens no Twitter, o Itamaraty afirmou que os dois “trataram de prioridades convergentes das duas chancelarias: diplomacia da saúde, recuperação econômica e promoção do desenvolvimento sustentável”.
Segundo pessoas que acompanham o assunto, não houve sinalização sobre a retomada da rodada de negociações entre os auxiliares de Kerry, o Itamaraty e o Meio Ambiente.
Pouco mais de dez dias após a última reunião técnica, ainda em maio, a Polícia Federal deflagrou uma operação contra Salles e o agora presidente afastado do Ibama, Eduardo Bim. A corporação apura suspeitas de crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando que teriam sido praticados por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro.
A operação envolve informações repassadas pelo governo dos EUA, que avisou as autoridades brasileiras sobre uma carga de madeira ilegal apreendida no porto americano de Savannah (Geórgia).
Salles nega ter cometido irregularidades. Desde a deflagração da operação, a agenda do ministro registra um grande número de dias em que ele cumpre apenas despachos internos ou não tem compromisso oficial. Interlocutores ouvidos pela reportagem disseram não ser possível determinar se Kerry resolveu congelar as tratativas devido à investigação contra Salles.
No entanto, existe a avaliação entre especialistas que a administração Biden pode ter considerado um constrangimento sentar-se para negociar com um ministro acusado de envolvimento em um esquema de contrabando de madeira –ainda mais em uma investigação iniciada em território americano.
A situação do ministro não é o único fator que gera desconfiança em Washington.
Na Cúpula do Clima realizada no final de abril, Bolsonaro prometeu zerar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030 e duplicar os recursos disponíveis para fiscalização ambiental no país.
“Medidas de comando e controle são parte da resposta. Apesar das limitações orçamentárias do governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização”, disse Bolsonaro na ocasião.
Porém, no dia seguinte à cúpula, Bolsonaro sancionou o Orçamento de 2021 e cortou R$ 240 milhões do Ministério do Meio Ambiente. No final de maio, o Planalto enviou ao Congresso um projeto para recompor a verba da pasta em R$ 270 milhões.
Os números de devastação na floresta amazônica, por sua vez, têm registrado recordes, o que aumenta o ceticismo entre a equipe de Biden sobre o real comprometimento de Bolsonaro em executar sua promessa.
Maio foi o pior mês de avisos de desmatamento na Amazônia nos últimos anos, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
No período, foram emitidos alertas em uma área correspondente a 1.391 km². A piora nos índices fez Bolsonaro renovar a presença de forças militares em ações de proteção do bioma.
Nas negociações com o governo Biden, Salles vinha pedindo doações dos EUA para garantir a preservação da Amazônia. Nas últimas rodadas, ele chegou a solicitar US$ 1 bilhão para aplicação em ações de comando e controle e para pagamento de serviços ambientais. Washington vinha exigindo resultados do governo Bolsonaro antes de destinar valores maiores. Em uma primeira contraproposta, o governo Biden sinalizou com um aporte de US$ 5 milhões, valor considerado insuficiente por Salles.
Além da interrupção das negociações ambientais, os EUA têm enviado sinais que geram apreensão entre auxiliares que aconselham Bolsonaro em política externa.
O embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, anunciou sua aposentadoria em 10 de junho. Apesar de o diplomata alegar razões pessoais, sua saída após pouco mais de um ano no cargo reforçou a percepção no Itamaraty de que Biden quer mudar a abordagem com o governo Bolsonaro. Chapman vinha sendo criticado por membros do Partido Democrata por uma relação excessivamente próxima à família Bolsonaro.
Pessoas que acompanham o tema apostam que o novo escolhido deve ter fortes credenciais de atuação na área ambiental. Também opinam que John Kerry deve ser um dos principais auxiliares consultados por Biden antes da definição do enviado a Brasília.
Além disso, o Itamaraty tem seguido com preocupação a renovação de um mecanismo especial de importações do governo dos EUA, que, segundo interlocutores, pode converter-se em mais um flanco de pressão sobre o Brasil.
O Congresso dos Estados Unidos está no processo de reativação do SGP (Sistema Geral de Preferências), programa que beneficia países em desenvolvimento com imposto zero de importação sobre determinadas mercadorias. O Brasil é um dos principais utilizadores do SGP, com exportações de cerca de US$ 2,3 bilhões em 2019.
Durante a votação da renovação do programa no Senado dos EUA, os parlamentares estabeleceram condições para a formulação da nova lista de países beneficiados. Entre os requisitos inseridos, está o cumprimento de leis e regulamentações ambientais e a ausência de graves violações de direitos humanos. A Câmara de Representantes dos EUA ainda precisa confirmar a votação.
As novas exigências não significam que o Brasil será necessariamente excluído do grupo de beneficiários, uma vez que a tarefa cabe ao Executivo americano. Mas, na prática, os senadores deram ao governo Biden um motivo que pode ser usado para penalizar o Brasil caso Washington julgue necessário.