Moraes determina que PF ouça ex-estagiária de Lewandowski usada como informante por bolsonarista – Mais Brasília
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Moraes determina que PF ouça ex-estagiária de Lewandowski usada como informante por bolsonarista

A PF deve marcar a data do depoimento

Alexandre de Moraes
Foto: Nelson Jr/STF

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes determinou que a Polícia Federal ouça Tatiana Garcia Bressan, que estagiou no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski de 19 de julho de 2017 a 20 de janeiro de 2019.

Como a Folha revelou nesta quarta-feira (6), o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, investigado pelo STF, tratou a ex-funcionária de Lewandowski como informante, como mostram mensagens coletadas pela Polícia Federal.

O material foi obtido por meio de quebra de sigilo telefônico em relatório da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF, ao qual a Folha teve acesso. As mensagens foram anexadas ao inquérito das fake news, que apura a disseminação de informações falsas, de relatoria de Moraes.

A PF deve marcar a data do depoimento, pois o ministro somente autoriza a medida.
Allan é investigado em dois inquéritos no STF -um para apurar disseminação de fake news e outro para identificar quem financia essas ações e os atos antidemocráticos.

As conversas começaram em 23 de outubro de 2018 e vão até 31 de março de 2020. Tatiana deixou o gabinete em janeiro de 2019, portanto antes da abertura dos inquéritos contra Allan, em março daquele ano.

A bolsa paga pelo STF aos estagiários de direito no período era de R$ 1.207 por mês. Segundo o STF, a seleção de estagiários ocorre sob supervisão da Secretaria de Recursos Humanos do Tribunal, por meio de oferta de vagas na plataforma do CIEE.

Na primeira conversa, Tatiana entra em contato com Allan, demonstrando interesse em trabalhar na equipe da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), e diz que está no gabinete de Lewandowski.

Nos diálogos (transcritos pela Folha nesta reportagem de forma literal, incluindo eventuais erros de digitação e ortografia), a estagiária relata ter dificuldade em trabalhar com o ministro, mas diz que está “lá para aprender”.

A informação, segundo o relatório da PF, “naturalmente desperta o interesse de Allan”, que pede a colaboração de Tatiana.
“Fique como nossa informante lá”, diz o blogueiro, cerca de duas horas depois do início da conversa. A estagiária responde prontamente: “Será uma honra. Estou lá kkk”.

Em seguida, Allan pergunta o que de mais espantoso Tatiana vê no gabinete. Ela então diz: “O que vi de mais espantoso é que realmente eles decidem o que querem e como querem. Algumas decisões são modificadas porque alguém importante liga pro ministro”.

Procurada pela Folha, Tatiana afirmou por mensagem que nunca atuou como informante de Allan. Disse que apenas tinha ligação com o blogueiro pois ambos foram alunos do escritor Olavo de Carvalho. Allan não respondeu aos contatos da reportagem.

Nos diálogos com Allan, a estagiária cita como exemplo a decisão do ministro Luiz Fux que proibiu a Folha de realizar uma entrevista com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se encontrava preso, às vésperas da eleição de 2018. Ela diz que foi um “corre-corre danado”.

Fux reverteu uma liminar (decisão provisória) que havia sido concedida por Lewandowski.
A estagiária afirma que “vê” que o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, “tem trânsito com quase todos os ministros”.

“Quando ele liga, o Lewandowski o atende prontamente. Dizem por lá q o pedido de suspensão de liminar feito pelo partido NOVO foi combinado a pedido do Fux e Toffoli. Vc sabe que o Villas Boas botou um general pra trabalhar junto com o Toffoli na presidência, né?”, diz a estagiária, intercalando os dois assuntos.

A estagiária também diz que a “piada” do dia anterior na corte era que “estavam todos esperando o soldado e o cabo para fechar o STF”, em referência a uma fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em julho de 2018, em resposta sobre uma possível ação do Exército se o presidente Jair Bolsonaro fosse impedido de assumir o posto por alguma decisão do Supremo.

“Difícil ouvir rsrs”, diz a estagiária, ao que Allan indaga: “Acha que isso tem mudado lá dentro?”. E ela responde: “Sim. Todos atentos: ‘Agora temos um general na presidência’! kkk Inclusive Toffoli [ministro Dias Toffoli, então presidente do STF] nem fala mais em ditadura de 64. Fala em ‘movimento de 64′”.

Tatiana acrescenta que Lewandowski estava viajando e chegava naquela data, e o blogueiro reage: “Vixe. Medo. kkkk”. A estagiária diz: “Quando vc vier aqui em BSB me liga por favor! Pra gente se ver, ir almoçar!”.

A estagiária afirma ainda que Lewandowski iria soltar Lula.
“Tem uma coisa Allan, mas acho q vc ja sabe… tenho pra mim q quem soltará o Lula será o Lewandowski porque com a última decisão nos autos da reclamação q a defesa ajuizou em nome do próprio lula, pedindo q ele pudesse conceder entrevista p/ quem quisesse)….. como esse decisão foi a primeira envolvendo a execução da pena do lula, tornou o Lewa prevento para futuras decisões envolvendo a execução da pena dele”, escreve.

Na verdade, o ex-presidente Lula acabou solto apenas em novembro de 2019, quando o plenário STF proibiu a prisão imediatamente após a condenação em segunda instância.

A estagiária diz a Allan, nas primeiras conversas, que tem uma página em uma rede social em que usa outro nome (@visittabb), após ter sido proibida por seu chefe no STF de fazer postagens. No perfil, há diversas publicações em favor de Bolsonaro e ataques contra a corte e ministros.

“Não estou atuando no meu perfil do twitter pq meu chefe disse que não posso falar de política a não ser estando fora do STF, então estou nesse perfil aqui – @visittabb lá no twitter pq não aguento! Kkkkk”, diz.

No dia 17 de novembro de 2019, quando já não era mais estagiária, Tatiana divulga no perfil uma foto de protesto em favor de Bolsonaro, e acrescenta: “FORAAAAAA GILMAR”, em referência ao ministro Gilmar Mendes.

O perfil já havia publicado diversas postagens convocando para o ato, que teria uma pauta única: “impeachment de Gilmar Mendes”.
No dia 1º de dezembro de 2019, Tatiana volta a fazer contato com Allan e diz que uma assessora de Lewandowski estava inaugurando um instituto jurídico.

Acrescenta que ela foi assessora especial no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). “O intuito? Eu não faço ideia”, completa. Ao que Allan dos Santos responde: “Ficarei de olho”. E completa: “Vamos marcar algo com a trupe toda junta”. “kkk vamos sim!”, responde Tatiana.

Em uma postagem referente aos protestos do 7 de Setembro deste ano, o perfil republicou uma foto de um homem segurando um cartaz em inglês com os dizeres: “Os verdadeiros ditadores estão no Supremo Tribunal Federal”.

Alguns dias antes, outra postagem critica o STF o descreve como “O único tribunal do mundo que entende de: medicina, economia, vacina, eleições, etc… Só não entende de justiça”.

À Folha Tatiana, além de negar ter sido informante de Allan, disse que entrou em contato o blogueiro porque queria um emprego –com a deputada federal Bia Kicis. A estagiária afirmou que não foi contratada. Procurada, a assessoria do gabinete da deputada Bia Kicis afirmou não conhecer Tatiana.

“Eu era estagiária e não tinha acesso a relatórios finais de decisões, mas a gente houve [sic] coisas nos bastidores e não sei como falei com ele pq [sic] não tenho o print [das conversas]”, disse, por mensagem.

“Se falei coisas foram coisas q [sic] vi acontecendo no âmbito geral do STF pq [sic] eu era só uma estagiária”, afirmou. Ela não comentou as postagens no perfil alternativo.

A Folha enviou questionamentos a Allan dos Santos, por meio de sua secretária. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Fundador do Terça Livre, site investigado por disseminar fake news, o blogueiro ganhou notoriedade durante as eleições presidenciais de 2018 por apoiar o então candidato Jair Bolsonaro, com acesso a integrantes da campanha e à família do atual presidente.

Um dos motivos que levaram Allan a ser investigado pelo STF foram os seus ataques recorrentes à corte. O blogueiro participou de protestos com bandeiras antidemocráticas em Brasília e chegou a defender o uso das Forças Armadas contra os ministros.

Allan deixou o país em julho do ano passado para viver nos Estados Unidos, após oferta de ajuda do deputado federal Eduardo Bolsonaro, como mostrou a Folha na sexta-feira (1º).

Em nota, o gabinete do ministro Lewandowski afirmou que todas as decisões proferidas por ele “têm fundamentação constitucional e a eventual modificação delas ocorre por meio de recursos cabíveis, apresentados nos autos e julgados individual ou coletivamente (plenário ou turmas)”.

“Como de praxe no STF, o ministro Lewandowski atende os telefonemas institucionais, principalmente vindos de autoridades da República. Na época mencionada, o general Villas Bôas era comandante do Exército Brasileiro”, disse o gabinete.

Além disso, afirmou que Tatiana estagiou no gabinete entre 19 de julho de 2017 e 20 de janeiro de 2019, quando requereu o seu desligamento.

Texto: Constança Rezende e Renato Machado