Bolsonaro recua após ameaças golpistas e agora diz que não teve intenção de agredir Poderes – Mais Brasília
FolhaPress

Bolsonaro recua após ameaças golpistas e agora diz que não teve intenção de agredir Poderes

Bolsonaro passou os últimos dois meses com seguidos ataques ao STF

Jair Bolsonaro
Foto: Isac Nóbrega/PR

Dois dias após atacar o STF (Supremo Tribunal Federal) com ameaças golpistas, o presidente Jair Bolsonaro divulgou nota nesta quinta-feira (9) na qual recua e afirma que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes”.

“Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar”, afirmou o presidente no texto.

Bolsonaro passou os últimos dois meses com seguidos ataques ao STF e xingamentos a alguns de seus ministros como estratégia para convocar seus apoiadores para os atos do 7 de Setembro, quando repetiu as agressões e fez uma série de ameaças à corte e a seus integrantes.

Os principais alvos de Bolsonaro sempre foram os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, esse último também presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). No 7 de Setembro, porém, buscou também emparedar o presidente do STF, ministro Luiz Fux.

“Essas questões [embates com o STF] devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no artigo 5º da Constituição Federal”, disse o presidente em texto assinado por ele.

“Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país.”
Antes da divulgação da nota, Bolsonaro conversou por telefone com Moraes, conforme antecipou o Painel. A ligação foi mediada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), responsável pela indicação de Moraes ao STF quando estava na Presidência.

Temer segue em Brasília, onde chegou na manhã desta quinta. Segundo o ex-ministro Carlos Marun, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, conversou com ele nesta quarta (8) para que Temer fosse a Brasília. Marun disse que o ex-presidente levou ao chefe do Executivo uma mensagem pela “pacificação” e que ficou satisfeito com a conversa.

A nota de Bolsonaro foi divulgada um dia depois de o presidente afirmar, em reunião com ministros do governo, que não iria recuar na disputa com o STF. A conversa foi tensa, segundo uma autoridade, e o mandatário chegou a cobrar mais engajamento de alguns de seus subordinados.

O recuo do chefe do Executivo também ocorre um dia após Fux ter feito duro discurso contra as falas golpistas de Bolsonaro no 7 de Setembro e afirmado que a ameaça de descumprir decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes, se confirmada, configura “crime de responsabilidade”.

“Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional”, afirmou Fux.

“Ninguém fechará esta corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança”, completou o presidente do Supremo.

O recuo de Bolsonaro não agradou um de seus principais aliados na base evangélica, o pastor Silas Malafaia.

“Continuo aliado, mas não alienado! Bolsonaro pode colocar a nota que quiser, Alexandre de Moraes continua a ser um ditador da toga que rasgou a Constituição e prendeu gente inocente”, escreveu em rede social o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

Na terça-feira (7), Malafaia estava ao lado de Bolsonaro quando ele chamou o ministro do STF de canalha na avenida Paulista. “Minhas convicções são inegociáveis!”, afirmou o pastor.

Em discursos diante de milhares de apoiadores em Brasília e São Paulo no 7 de Setembro, Bolsonaro fez ameaças golpistas contra o STF, exortou desobediência a decisões da Justiça e disse que só sairá morto da Presidência.

Na Esplanada dos Ministérios, por exemplo, Bolsonaro fez uma ameaça direta a Fux. “Ou o chefe desse Poder [Fux] enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, disse, referindo-se às recentes decisões de Moraes contra bolsonaristas.

“Nós todos aqui na Praça dos Três Poderes juramos respeitar a nossa Constituição. Quem age fora dela se enquadra ou pede para sair”, disse o presidente, em um caminhão de som no gramado em frente ao Congresso.

“Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil”, disse Bolsonaro em outra referência a Moraes.

Moraes foi o responsável por decisões recentes contra bolsonaristas que ameaçam as instituições. O ministro tem agido a partir de pedidos da PGR (Procuradoria-Geral da República), sob o comando de Augusto Aras, indicado por Bolsonaro, e da Polícia Federal, órgão subordinado ao presidente.

Os atos de terça foram dominados por discursos golpistas do presidente e por faixas, cartazes e gritos autoritários e antidemocráticos de seus apoiadores. O STF foi o principal alvo. Já na avenida Paulista, exortou desobediência a decisões da Justiça.

“Nós devemos sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor ​Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou”, afirmou Bolsonaro.

“[Quero] dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”, disse o presidente, que prosseguiu. “Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair. Não se pode admitir que uma pessoa apenas, um homem apenas turve a nossa liberdade.”

Nessas falas, Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade que podem levar à abertura de processos de impeachment, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.

Além dos crimes de responsabilidade, que possuem caráter político e jurídico, o presidente pode ter cometido também crimes comuns, ilícitos eleitorais e ato de improbidade administrativa, na avaliação de parte dos entrevistados.

A atual crise institucional, patrocinada por Bolsonaro, teve início quando o presidente disse que as eleições de 2022 somente seriam realizadas com a implementação do sistema do voto impresso -essa proposta já ter sido derrubada pelo Congresso.

 

LEIA A ÍNTEGRA DA NOTA DE JAIR BOLSONARO PUBLICADA NESTA QUINTA (9)
“No instante em que o país se encontra dividido entre instituições é meu dever, como Presidente da República, vir a público para dizer:
1. Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar.
2. Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news.
3. Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de “esticar a corda”, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia.
4. Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum.
5. Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes.
6. Sendo assim, essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art 5º da Constituição Federal.
7. Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país.
8. Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição.
9. Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles.
10. Finalmente, quero registrar e agradecer o extraordinário apoio do povo brasileiro, com quem alinho meus princípios e valores, e conduzo os destinos do nosso Brasil.”

 

Texto: Marianna Holanda e Mateus Vargas