Entenda em cinco pontos as suspeitas na compra de vacinas que pressionam Bolsonaro – Mais Brasília
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Entenda em cinco pontos as suspeitas na compra de vacinas que pressionam Bolsonaro

A agenda da próxima semana da CPI da Covid vai contemplar um pouco de cada flanco de investigação. A sessão de quarta-feira (7), por exemplo, será destinada a ouvir o ex-diretor de logística Roberto Ferreira Dias.

Presidente Jair Bolsonaro discursando e gesticulando
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

As suspeitas em torno de negociações para a compra de vacinas contra a Covid colocaram o governo Jair Bolsonaro sob pressão nas últimas semanas. Um contrato de R$ 1,6 bilhão assinado pelo Ministério da Saúde para comprar doses da vacina Covaxin, por meio da Precisa Medicamentos, passou a ser investigado pela CPI da Covid.

Além disso, o vendedor de uma empresa americana denunciou um pedido de propina de US$ 1 por dose em relação a outro negócio, que envolveria a vacina Astrazeneca. Integrantes da CPI querem ainda apurar uma negociação envolvendo a vacina chinesa Convidecia e o Ministério da Saúde.

A agenda da próxima semana da CPI da Covid vai contemplar um pouco de cada flanco de investigação. A sessão de quarta-feira (7), por exemplo, será destinada a ouvir o ex-diretor de logística Roberto Ferreira Dias, que pediu propina de US$ 1 por dose, segundo denúncia publicada pelo jornal Folha de S.Paulo.

1) QUAIS OS TRÊS CASOS DE SUSPEITAS DE CORRUPÇÃO E IRREGULARIDADES EM COMPRAS DE VACINAS?

COVAXIN
A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da vacina indiana Covaxin, quando a Folha de S.Paulo revelou em 18 de junho o teor do depoimento sigiloso do servidor Luis Ricardo Miranda (Ministério da Saúde) ao Ministério Público Federal, que relatou pressão “atípica” para liberar a importação da Covaxin.

Desde então, o caso virou prioridade da CPI da Covid. A comissão suspeita do contrato para a aquisição da imunização, por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que o imunizante ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).

Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).
A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor da Saúde, relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregularidades.

Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamentar, que iria acionar a Polícia Federal para que abrisse uma investigação. A CPI da Covid, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a PF. O Ministério da Saúde suspendeu o contrato.

PROPINA DE US$ 1
O representante de uma vendedora de vacinas afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde.
Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply, disse que o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina em um jantar em um restaurante de Brasília em dia 25 de fevereiro.

Na CPI, Dominguetti repetiu as acusações e disse que esteve no Ministério da Saúde três vezes para tratar da proposta da venda. A empresa Davati buscou a pasta para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca com uma proposta feita de US$ 3,50 por cada (depois disso passou a US$ 15,50). Ele ressaltou aos senadores que se surpreendeu ao saber que o então secretário-executivo Elcio Franco, braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello, não sabia de uma oferta grande como aquela, envolvendo 400 milhões de doses.

CANSINO
A terceira suspeita, que também está no alvo da CPI, envolve a negociação da vacina Convidecia com o Ministério da Saúde, que foi intermediada por uma empresa de Maringá. A carta de intenção de compra assinada pelo Ministério em junho apontava um custo de US$ 17 cada uma.

Na segunda-feira (28) a Folha de S.Paulo revelou que o advogado do deputado Ricardo Barros (PP-PR) atuou como representante legal da vacina Convidecia no Brasil. Líder do governo na Câmara, Ricardo Barros é citado nos outros dois casos de suspeitas.

2) QUAIS OS PRÓXIMOS PASSOS DA CPI E AS PERGUNTAS SEM RESPOSTA?
Na próxima semana, a agenda da CPI vai contemplar um pouco de cada flanco de investigação da comissão. A sessão de quarta (7), por exemplo, será destinada a ouvir o ex-diretor Roberto Ferreira Dias, que pediu propina de US$ 1 por dose, segundo denúncia do vendedor de vacina Luiz Paulo Dominguetti.

A CPI também deve votar na próxima semana as acareações envolvendo os participantes do jantar na qual teria sido feito pedido de propina. A comissão também pretende já ter relatórios prontos a respeito das quebras de sigilo, para tentar apurar ligações entre membros do governo, a família Bolsonaro e representantes da Precisa Medicamentos.

Algumas perguntas sem respostas
Bolsonaro tomou alguma iniciativa ao tomar conhecimento das suspeitas na Covaxin?
Se tomou, por que só agora pediu a abertura de inquérito à Polícia Federal?
Bolsonaro sabia das suspeitas sobre o diretor da Saúde e o manteve por pressão do centrão?
O Ministério da Saúde tratava com intermediadores de vacina para facilitar a propina?
O Ministério da Saúde recusou diferentes vacinas para buscar acordos por corrupção?
Por que na CPI Dominguetti tentou envolver o deputado Miranda na compra de vacinas?

3) O QUE BOLSONARO JÁ DISSE SOBRE OS CASOS?
Desde a revelação de que Bolsonaro foi informado sobre as suspeitas em torno da Covaxin, o governo mudou sua versão mais de uma vez.
A última versão é de Bolsonaro teria comunicado as suspeitas ao então ministro Eduardo Pazuello e que ele teria repassado ao então secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco, que não teria encontrado irregularidades.
A estratégia do Palácio do Planalto de apresentar esse novo nome é fortalecer a tese de que o chefe do Executivo não ignorou as denúncias sobre a compra da Covaxin e sim pediu que o Ministério da Saúde esclarecesse as supostas irregularidades na negociação do governo em torno da vacina.

Até agora, porém, Bolsonaro nada disse sobre a reunião com os irmãos Miranda na qual teria sido alertado sobre o caso. Já ao comentar o depoimento de Luiz Paulo Dominguetti Pereira à CPI da Covid, Bolsonaro atacou os parlamentares de oposição que compõem a comissão e disse, em tom irônico, que o então representante da empresa Davati Dedical Suply relatou uma “propininha de R$ 2 bilhões”.

Mas Bolsonaro nada disse sobre a demissão do chefe do setor de logítisca do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, e as suspeitas de pedido de propina em torno dele.
Esse diretor exonerado, aliás, foi motivo de embate entre Bolsonaro e o então ministro Eduardo Pazuello em outubro de 2020. À época, Pazuello pediu a demissão de Dias da diretoria da Saúde, mas, por pressão política, o presidente barrou a exoneração.

4) QUAIS SÃO OS RECENTES EFEITOS DAS REVELAÇÕES?

COVAXIN
Praticamente três meses depois da data em que os irmãos Miranda teriam alertado o presidente sobre possíveis irregularidades, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa Medicamentos para obter 20 milhões de doses da Covaxin.

Na última quarta-feira, a Polícia Federal instaurou inquérito para investigar a compra da vacina pelo governo. No mesmo dia, também o MPF (Ministério Público Federal) instaurou procedimento investigatório criminal para apurar as suspeitas de crime no contrato de compra.

Já nesta sexta-feira (2), após pressão da ministra Rosa Weber, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquérito para apurar o suposto crime do presidente Bolsonaro por prevaricação no caso da compra das vacinas Covaxin.

Com a abertura do inquérito, caso venha a ser autorizado pelo Supremo, Bolsonaro passa a ser investigado oficialmente perante o Supremo. Geralmente, nesse tipo de procedimento, a Polícia Federal e a PGR têm de pedir autorização do STF para realizar medidas investigativas.

Depois de finalizar a investigação, a PF produz um relatório, e a Procuradoria decide se denuncia os envolvidos ou se pede o arquivamento do inquérito. Quando é caso de denúncia, a Câmara precisa autorizar, com o voto de dois terços dos deputados, o STF a julgar a acusação. Se a Casa der o aval, o Supremo precisa definir se aceita a denúncia e torna o investigado em réu. Caso siga essa linha, é aberta uma ação penal que, ao final, pode resultar ou não em condenação.

PROPINA DE US$ 1
Na mesma noite em que a denúncia de propina foi revelada pela Folha de S.Paulo, o Ministério da Saúde comunicou a exoneração de Roberto Ferreira Dias do comando da Direção de Logística da pasta, que foi publicada no Diário Oficial de quarta-feira (30).

As revelações também provocaram as convocações pela CPI da Covid de Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply, que já depôs e confirmou as denúncias.
Também devem depor Cristiano Alberto Carvalho, que se apresenta como procurador da Davati no Brasil e também aparece nas negociações com o ministério, e do tenente-coronel do Exército Marcelo Blanco, que foi assessor no departamento de logística do Ministério da Saúde na gestão de Roberto Ferreira Dias e também participou do jantar no qual teria sido pedido propina.

5) COMO OS CASOS AFETAM O DISCURSO DE BOLSONARO
A série de revelações recentes sobre a compra de vacinas expôs uma série de contradições no discurso bolsonarista sobre vacinas e combate à corrupção.
Combate à corrupção: Apesar do discurso contra a corrupção, que rendeu a Bolsonaro o voto, em 2018, de apoiadores da Lava Jato e atraiu para seu governo o ex-juiz Sergio Moro, não há indícios de que o presidente tenha acionado órgãos de controle diante das suspeitas no contrato de compra da Covaxin que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) diz ter levado ao mandatário, em março.
Não sabia de nada: Depois de uma série de declarações em que reforça sua autoridade e diz fazer o que quer no governo, Bolsonaro agora afirma não ter conhecimento e controle sobre seus ministérios.

Toma lá, dá cá: Os casos levantaram suspeitas a respeito do controle do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, sobre o Ministério da Saúde. Por meio de Barros, membro do chamado centrão, o fisiologismo e a troca de favores, que Bolsonaro dizia combater, foram parar no centro do escândalo da compra de vacinas. Governar sem “toma lá, dá cá” e sem a “velha política” era uma promessa de campanha de Bolsonaro, como ele afirmou em 2017.

Controle de qualidade: Em seus discursos que alimentavam suspeitas em relação às vacinas contra a Covid e defendiam o tratamento ineficaz com cloroquina, Bolsonaro usou como argumento a falta do aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para desacreditar os imunizantes. O Ministério da Saúde, porém, anunciou a compra da Covaxin, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech, em fevereiro e, no mês seguinte, a Anvisa não deu aval à importação do imunizante indiano.

Preço das vacinas: Em novembro de 2020, em meio a embate com João Doria (PSDB) sobre a compra da Coronavac, Bolsonaro afirmou que iria adquirir as vacinas, mas não no preço “que um caboclo aí quer”. A dose da Coronavac custa US$ 10,80, enquanto a da Covaxin custa US$ 15. A Precisa Medicamentos afirmou que o preço oferecido ao governo brasileiro segue tabela mundial e é o mesmo praticado com outros 13 países.