Governo corta taxas de importação em 10% e Guedes defende choque de oferta para conter inflação – Mais Brasília
FolhaPress

Governo corta taxas de importação em 10% e Guedes defende choque de oferta para conter inflação

Ministro afirmou que a pandemia elevou o preço dos alimentos e da energia em todo o mundo

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O governo decidiu se antecipar a um eventual consenso entre os membros do Mercosul (Mercado Comum do Sul) e publicou nesta sexta-feira (5) uma medida que reduz em 10% as tarifas de importação de quase 90% dos produtos e serviços usados pelo país. Para o ministro Paulo Guedes (Economia), facilitar a entrada de bens estrangeiros ajudará a moderar a inflação.

“O momento atual, em que temos uma pressão inflacionária forte na economia brasileira e gostaríamos de dar um choque de oferta [ao] facilitar a entrada de importações para dar moderação nos reajustes de preços, é ideal para fazer uma abertura, ainda que tímida, da economia”, afirmou Guedes em evento da CNC (Confederação Nacional do Comércio) nesta sexta.

O ministro afirmou que a pandemia elevou o preço dos alimentos e da energia em todo o mundo e diz que isso reforça a necessidade de o país se integrar à cadeia de comércio global. “Nós precisamos adquirir comida mais barata uns dos outros e de outras regiões do mundo”, disse.

O corte das tarifas foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União e reduz as alíquotas do Imposto de Importação de 87% do universo tarifário, abrangendo mais de 8 mil produtos -inclusive alimentos.

Estão na lista arroz, feijão, óleos, massas e biscoitos, bem como ingredientes para preparo de alimentos, como farinhas e amidos. Diferentes tipos de carnes e peixes, incluindo salmão e cação, também aparecem.

Há ainda uma extensa lista de frutas, como maçã, mamão e morango. A relação de insumos usados pela indústria também é grande.

“A razão de termos tomado essa medida agora, antes que tenhamos consenso entre os quatro membros do Mercosul, é a necessidade e urgência de atuarmos sobre a inflação. Não é nenhuma ilegalidade no que fizemos”, afirmou Roberto Fendt, secretário especial de Comércio Exterior do Ministério da Economia.

Apesar da justificativa da inflação, os técnicos reconhecem que a medida não será suficiente para resolver a escalada dos valores. A expectativa do ministério é que a iniciativa reduza em somente 0,3% o nível de preços na economia brasileira em um horizonte de pelo menos dez anos.

“O impacto dessa medida é limitado. Não será com ela que, da noite para o dia, a gente eliminará a inflação”, afirmou Fendt. “A inflação é um fenômeno estrutural decorrente da quebra das cadeias de suprimento no mundo inteiro”, disse.

Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, explica que, tradicionalmente, mais ou menos a metade do que o Brasil importa corresponde a insumos para a indústria (químicos, peças, entre outros).

Segundo ele, o corte de 10% vai gerar um impacto mais perceptível para esses bens, pois são comprados em maiores quantidades e alguns têm alíquotas mais elevadas.

Para o consumidor final, o impacto tende a ser mais limitado, afirma Barral, que é sócio-fundador da BMJ Consultores Associados.

“É uma medida de liberalização, um sinal positivo para o consumidor, mas o corte tende a ser pequeno para ele. Pode ter algum efeito maior em algumas situações específicas, mas não vai mudar o comércio exterior brasileiro.”

A redução tarifária é, na verdade, uma proposta de campanha do governo Bolsonaro. Guedes defende a maior abertura comercial e tenta avançar com o tema desde o começo da gestão. Sua equipe afirma que medidas desse tipo aumentam o fluxo de comércio, investimentos e PIB (Produto Interno Bruto).

Ele já tentou levar adiante um corte de 50% nas tarifas, mas recuou após reações da indústria brasileira -que defende uma transição mais gradual e acompanhada de medidas para ajudar as empresas nacionais a enfrentar a competição estrangeira (por meio da redução do custo-país, por exemplo).

O corte desta sexta entra em vigor na semana que vem e vale até o final de 2022, abrangendo apenas o Brasil, com custo R$ 3 bilhões para os cofres públicos. A intenção do governo brasileiro é tornar a medida permanente e fazer com que ela seja aplicada a todo o bloco.

Guedes afirma que o corte feito pelo Brasil recebeu a compreensão dos demais integrantes do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai), mas sua própria equipe afirma que o país se antecipou a um consenso entre os parceiros do bloco.

Segundo Fendt, Brasil, Argentina e Paraguai estão de acordo com a redução definitiva nas tarifas. “Estamos agora em negociação para que o Uruguai possa aderir a essa redução em caráter permanente”, disse.

A medida do Brasil foi tomada com base em um acordo de 1980 entre os países do Mercosul que permite o corte temporário em casos de proteção da vida e da saúde das pessoas. De acordo com o Ministério da Economia, o recurso é justificado pela situação de urgência trazida pela pandemia de Covid-19.

O tema avançou após os governos de Jair Bolsonaro e do argentino Alberto Fernández chegarem a um acordo sobre o tema em outubro, após meses de divergência. Ambos os países anunciaram um entendimento para um corte de 10% na tarifa comum.

A pedido da Argentina, alguns produtos vão ficar de fora. Entre eles, produtos da indústria automotiva com tarifa acima de 14%, além de têxteis, calçados, brinquedos e lácteos.

O governo tem trabalhado no Mercosul para promover a revisão da TEC (Tarifa Externa Comum) e afirma que, em mais de 25 anos de existência, a TEC jamais sofreu um processo de reforma integral.

Outro ponto defendido pelo Brasil no Mercosul é a proposta para que membros do bloco sejam liberados para negociar tratados comerciais de forma independente. Essa pauta é defendida pelo Uruguai e conta com respaldo no governo brasileiro, principalmente na equipe de Guedes. A Argentina é contra.

CAGED
Durante o evento, Guedes chamou de “barulho” o ajuste nos dados que cortou pela metade o saldo de empregos em 2020 em relação ao inicialmente informado pelo governo.

Segundo dados divulgados em janeiro pelo Ministério da Economia no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregos), o indicador havia ficado positivo em 142.690 vagas no ano passado. Após o registro de novas informações, o saldo caiu 46,8%, para 75.883 vagas criadas (devido principalmente ao aumento nos registros de demissões).

“Houve muito barulho a respeito de um erro de 50 mil [na verdade, a diferença é de 67 mil], o que é bastante. São bastantes desempregos que foram aparentemente reportados equivocadamente no Caged”, afirmou.

Para ele, no entanto, a subnotificação não foi culpa do governo e a revisão não muda o cenário de criação de empregos no período. “Pode ter havido um erro no Caged, isso não é culpa do governo. Isso vem do setor privado, são informações agregadas”, disse.

Além do atraso usual e da situação agravada pela pandemia, especialistas apontam que o impacto nos números se deve à adaptação à nova metodologia do Caged, que entrou em vigor em 2020.

Com a mudança feita pelo governo, a pesquisa passou a ser alimentada não só pelas empresas, mas também pelos técnicos do governo -por meio de informações como as provenientes do eSocial, sistema de escrituração que unificou diversas obrigações dos empregadores.

Guedes também defendeu durante o evento que o país explore o petróleo antes que a commodity deixe de ser usada em decorrência do esforço global para evitar o uso de combustíveis fósseis e conter o aquecimento do planeta.

“É importante explorar essa riqueza”, afirmou. “[Estamos] correndo o risco de esses recursos ficarem obsoletos e nós ficarmos sentados em cima do que foi riqueza um dia”, disse.

A declaração é dada em meio à COP 26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2021) e às iniciativas globais, anunciadas inclusive pelo Brasil, para cortar emissões de gases de efeito estufa.

Por Fábio Pupo e Leonardo Vieceli