Itamaraty registra número recorde de mulheres para carreira diplomática
O índice atingiu o mais alto patamar com a nomeação de duas candidatas aprovadas no sistema de cotas
A nova turma do Instituto Rio Branco, onde começa a carreira de diplomata no Brasil, terá neste ano a maior participação feminina da história da instituição: dos 36 admitidos, 15 são mulheres -cerca de 41%.
O índice atingiu o mais alto patamar com a nomeação de duas candidatas aprovadas no sistema de cotas em 2017 e admitidas após acordo judicial.
Considerando apenas o concurso público deste ano, 13 das 34 vagas foram ocupadas por mulheres (38% do total). Trata-se do mais alto percentual nos últimos 30 anos. No período, a média de candidatas aprovadas no processo seletivo é de 23,54%, de acordo com o Itamaraty.
Em 2018, a proporção foi ainda menor. Há quatro anos, o concurso selecionou apenas três mulheres em uma turma de 27 pessoas -11% de participação feminina. Desde então, a disparidade de gênero diminui a cada novo concurso.
Uma das aprovadas para iniciar a carreira diplomática neste ano é a paraibana Adriana Gabinio, 27. “É um número histórico de mulheres, estou extremamente feliz, não só por mim, mas por todas as minhas colegas”, diz. “A foto da nossa turma é muito bonita, com mulheres diferentes, bem a cara do Brasil.”
No concurso de 2022, foram selecionadas seis mulheres negras, das quais cinco por meio do sistema de cotas e uma na ampla concorrência. Além delas, a turma terá mais duas candidatas cotistas admitidas após imbróglio judicial.
Para Gabinio, isso serve de motivação para futuras candidatas. Ela própria conta que a atuação direta de diplomatas brasileiras como Laura Delamonica, Fernanda Mansur e Maria Luiza Viotti, teve papel importante em sua trajetória.
Ela começou a estudar para o concurso do Itamaraty em 2018, por ocasião do centenário de ingresso no ministério de Maria José de Castro Rebello Mendes, a primeira mulher no Brasil a entrar na carreira.
Irene Vida Gala é uma das diplomatas brasileiras que tem se empenhado para “fazer propaganda de mulher no Itamaraty”.
Para ela, a participação feminina recorde resulta de um esforço coletivo do grupo de mulheres diplomatas para abrir portas para outras colegas, sem apoio da própria instituição.
“Se na próxima seleção a gente confirmar um número maior de mulheres, a gente pode afirmar que realmente é uma tendência em função de um esforço de publicização da presença da mulher no espaço diplomático”, afirma.
Com 37 anos de carreira diplomática, a subchefe do escritório do Itamaraty em São Paulo conta que, na época de seu ingresso, havia uma discussão sobre o uso do gênero feminino na menção ao cargo de terceiro-secretário quando o posto era ocupado por uma mulher.
Na pasta, esse é o primeiro cargo de um diplomata. É possível progredir até o grau de embaixador (ministro de primeira classe). Entre os extremos, há os postos de segundo-secretário, primeiro-secretário, conselheiro e ministro de segunda classe.
As regras para avançar seguem requisitos como tempo mínimo na classe, período de serviço no exterior, experiência em cargos de chefia em alguns casos, além de uma votação entre pares e chefes.
Para Vida Gala, as progressões ainda são pouco transparentes, e faltam critérios objetivos de promoção. Segundo ela, a predominância masculina no meio faz com que haja uma concentração de poder que dificulta a evolução das mulheres na carreira diplomática.
A dificuldade se deve à ausência de mulheres em cargos de comando, afirma a diplomata aposentada Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da Associação e do Sindicato dos Diplomatas Brasileiros. “Essas posições são as que decidem e votam nas pessoas que vão ser promovidas.”
Para ambas, a sub-representação de mulheres nos postos mais altos da carreira é um problema estrutural. “Uma carreira machista como a nossa tira das mulheres a possibilidade de sonhar com espaços de poder privilegiados”, afirma Vida Gala.
O Itamaraty nunca foi liderado por uma mulher, mas há mudanças no horizonte. No Brasil, o ministério registrou, na lista de promoções de junho, um percentual recorde de mulheres em todos os postos da carreira, acima de 30%.
Por Nathalia Garcia