PF descarta interferência de Bolsonaro e encerra inquérito motivado por Moro – Mais Brasília
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PF descarta interferência de Bolsonaro e encerra inquérito motivado por Moro

Investigadores também descartaram uma possível denunciação caluniosa

Foto: Isac Nóbrega/PR

Dois anos após o pedido de demissão e as acusações de Sergio Moro, a Polícia Federal encerrou o inquérito e concluiu não haver indícios de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) interferiu para proteger aliados e familiares ao trocar o comando do órgão.
Os investigadores também descartaram uma possível denunciação caluniosa do ex-ministro por acusar o presidente de interferência na PF e iniciar uma das principais crises do governo Bolsonaro.

No relatório, a PF afirma que em dois anos de apuração “nenhuma prova consistente” da interferência de Bolsonaro foi encontrada e que todas “as testemunhas ouvidas foram assertivas em dizer que não receberam orientação ou qualquer pedido, mesmo que velado, para interferir ou influenciar investigações”.

Uma das provas apresentadas por Moro à época, e citadas no relatório, são as mensagens enviadas pelo presidente em que ele fala da intenção de tirar Maurício Valeixo da direção do órgão e indicar Alexandre Ramagem, atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência e amigo da família presidencial.

Em 22 de abril de 2020, Bolsonaro diz ao então ministro da Justiça: “Moro, o Valeixo (então diretor da PF) sai essa semana”, “Isto está decidido”, “Você pode dizer apenas a forma”, “A pedido ou ex oficio”.
Em resposta, Moro diz: “Presidente sobre esse assunto precisamos conversar pessoalmente, estou ah disposição para tanto”.

No mesmo dia, o presidente manda a Moro um link de texto do site O Antagonista, com o título: “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas”. Moro responde: “Isso eh fofoca. Tem um Dpf [Delegado de Polícia Federal] atuando por requisição no inquérito da fake News e que foi requisitado pelo Min Alexandre [de Moraes]”.

Bolsonaro, no dia seguinte, encaminha o mesmo link da reportagem e diz: “Mais um motivo para a troca”.
Segundo relatório do delegado Leopoldo Soares Lacerda, Bolsonaro não cometeu um ato contrário à lei ao pedir a troca do diretor-geral da corporação a Moro porque cabe ao presidente escolher a equipe ministerial e também os chefes vinculados aos ministérios.

“Constam nos autos informações de que a relação entre o Presidente da República e o delegado de polícia federal Ramagem, nomeado como dirigente máximo da PF, iniciou-se no final da campanha presidencial por razões profissionais e assim foi mantida”, disse o delegado.
Ele também não encontrou sinais de que o presidente atuou com o objetivo de interferir em investigações de seu interesse ou de seus filhos e aliados políticos.

De acordo com Soares, nos casos que envolviam o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a facada que Bolsonaro sofreu em 2018 e no inquérito das fake news não foram identificadas ingerências políticas no andamento das investigações.
Um dos casos analisados foi o suposto vazamento da operação Furna da Onça, que continha em seus autos o relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sobre as transações suspeitas de Fabrício de Queiroz, ex-assessor de Flávio e amigo pessoal da família Bolsonaro.

O suposto vazamento foi revelado em entrevista do empresário Paulo Marinho à coluna de Mônica Bergamo no jornal Folha de S.Paulo.
Para avançar na apuração, a PF pediu ao Supremo a quebra de sigilos telemáticos de Flávio, Queiroz e Marinho.
Nos dados referentes às contas de Flávio foram encontradas anotações sobre o agendamento de alguns encontros: “Notificação: Almoço Paulo Marinho – qua 17 out 2018 13:00 – 14:00 (BRT) ” e “Notificação: Reunião casa Paulo Marinho com equipe – ter 23 out 2018 15:00 – 16:00 (BRT) 121”.

“Os agendamentos acima demonstram possíveis encontros entre Paulo Marinho e o então deputado estadual Flávio Bolsonaro no período entre o primeiro e segundo turno das eleições de 2018”, afirmou o delegado.
Um arquivo de áudio foi analisado e seu teor “denota a ocorrência de um encontro entre pessoas não identificadas, datado do dia 19 de dezembro de 2018”.

De acordo com a PF, essa data é posterior ao suposto encontro de outubro daquele ano com o delegado federal que teria vazado a operação.
“O exame sobre a investigação que apurou o possível vazamento da Operação Furna da Onça à família Bolsonaro não constatou elementos suficientes que confirmassem a hipótese de ingerência política na investigação”, concluiu o delegado.
A PF também quebrou o sigilo telemático do ex-ministro Gustavo Bebianno, morto em março de 2020, sem que algo de relevante para a investigação tenha sido identificado.

A investigação teve alguns percalços, como a substituição do delegado responsável e apreciação pelo STF do pedido da PF para ouvir Bolsonaro.
Após a abertura do caso e tomada de alguns depoimentos, os investigadores pediram para ouvir o presidente, que se negou a prestar os esclarecimentos de forma presencial.

O caso foi parar no plenário do STF, que em outubro de 2020 iniciou o julgamento. O então relator do caso, o agora ex-ministro Celso de Mello, afirmou na ocasião que não seria não admissível a concessão de “privilégios” e “tratamento seletivo” e defendeu que o presidente depusesse presencialmente à polícia.

Após o voto de Mello, Luiz Fux suspendeu a análise e o caso ficou paralisado com a aposentadoria do decano da corte.
Ainda em novembro de 2020, a AGU (Advocacia-Geral da União) se manifestou em nome de Bolsonaro para abrir mão de se justificar pessoalmente sobre a suposta interferência e recusar oficialmente a possibilidade de defesa.
Moraes, que substituiu Celso de Mello na relatoria, negou o pedido do presidente para não depor. Um ano após o início do julgamento, em novembro de 2021, Bolsonaro, novamente via AGU, pediu para ser ouvido presencialmente.

No depoimento, Bolsonaro negou ter interferido no órgão.
“Nunca teve como intenção, com a alteração da direção-geral [da PF], obter informações privilegiadas de investigações sigilosas ou de interferir no trabalho de Polícia Judiciária ou obtenção diretamente de relatórios produzidos pela Polícia Federal”, afirmou o presidente, segundo transcrição da PF.

Ele ainda disse que Moro teria concordado com a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da PF desde que isso ocorresse após sua indicação para vaga de ministro do STF.
Meses antes do depoimento de Bolsonaro, em agosto de 2021, Moraes mandou retirar o delegado Felipe Leal do caso, após ele pedir para investigar os atos do então diretor-geral da PF, Paulo Gustavo Maiurino.
Após o Painel revelar o novo rumo da apuração, Moraes afirmou que o delegado extrapolou suas funções ao investigar atos do então diretor-geral.

Por Fábio Serapião e José Marques